Foto tirada por David Zoutendyk, no festival Bajaprog (México)
ProgBrasil: Fale um pouco do início de sua carreira, como tudo começou?
Quais são as suas principais influências?
Jones: Minhas primeiras aulas de violão foram aos 11 anos, e estudei teoria e violão clássico na Escola de Música Villa-Lobos no Rio de Janeiro. Considero este início com a professora Mara Lucia Ribeiro decisivo na minha formação, pois além de ser alguém jovem na época, e que profissionalmente já dispensava comentários, ela tem a cabeça aberta e permitiu que meu interesse pelo trabalho do Steve Howe e Jan Akkerman convivesse pacificamente com Leo Brower e Villa Lobos. O estudo da guitarra veio posteriormente, quando decidi que queria mais do que adaptar a técnica do violão à guitarra. Minhas referências iniciais foram Yes e Focus, e mesmo hoje continuam sendo. E o lado "compositor" foi abastecido com uma formação em harmonia tradicional ( mais ligada a musica clássica ) que é fundamental no meu trabalho de composição.
O Rock Progressivo especificamente entrou na minha vida através dos discos de um primo, que tinha uma coleção invejável pra época, no Brasil. Foi ele quem me falou pela primeira vez em Yes, ELP, genesis, Deep Purple, e na EldoPop do Rio dos anos 70, que tocava tudo aquilo e muito mais... aí sim a ficha caiu de vez.
ProgBrasil: O timbre é geralmente associado como marca registrada de muitos guitarristas, como funciona essa busca por um determinado timbre dentro da concepção sonora de uma composição, de um arranjo, de uma base ou solo?
Jones: Sempre que começo uma composição ou arranjo, eu tenho na cabeça os timbres enquanto vou montando a idéia. No Index a coisa vai até mais longe, todos palpitam nos timbres de todos, embora a última palavra seja sempre do próprio instrumentista. Eu cresci admirando caras como Santana, Ritchie Blackmore e Jan Akkerman, cujos timbres parecem impressão digital... mudam o equipamento, a guitarra, mas o timbre está dentro da cabeça e debaixo dos dedos.
Todo guitarrista tem suas preferências, eu gosto dos timbres mais orgânicos e naturais, já outros gostam de usar muitos efeitos em cascata, compressores, oitavadores, "trituradores", etc... minha opinião é que a imensa maioria se perde no meio da parafernália eletrônica, é raro encontrar caras como o David Gilmour, que mesmo no meio de toda aquela parafernália, ainda encontra o som natural da sua Stratocaster. O que existe no mercado hoje, aquelas pedaleiras compactas com trilhões de efeitos, conseguem a incrível façanha de fazer uma Stratocaster pré-CBS soar igual a uma Giannini Stratosonic... tudo nivelado por baixo, estão mais pra buzina em engarrafamento de trânsito do que pra instrumento musical.
A beleza do timbre está diretamente ligada a simplicidade, não existe beleza sem preservar as características naturais do timbre do instrumento, pois em última instância a guitarra é mesmo um instrumento simples. Boas madeiras do corpo, braço e escala, boas cordas e captadores, são mais importantes que pedaleiras e efeitos mirabolantes lançados anualmente pela industria.
ProgBrasil: Como foi fazer parte no processo de construção ativa para uma das obras máximas do progressivo nacional, o venerado ''Velha Gravura'', do grupo Quaterna Réquiem?
Jones: O Quaterna foi uma das páginas mais importantes da minha vida, musicalmente e pessoalmente. Era uma época em que a cena progressiva carioca já não tinha mais o Bacamarte, e que raros eram os shows de bandas que tinham qualquer elemento progressivo. Na verdade, lembro que qualquer coisa que remotamente lembrasse progressivo já merecia nossa atenção, e íamos a shows onde 99,99% eram rock'n roll ou MPB. Se algo lembrasse remotamente progressivo, já teria valido a pena.
Montamos o Quaterna Réquiem motivados em fazer um progressivo que pra nós, naquela época, fosse genuino. E foi depois de algumas "fitas demo" e alguns shows que as coisas começaram a acontecer de forma natural. Minha lembrança mais remota desta época era que muitos dos nossos amigos, mesmo os mais chegados, iam assistir os ensaios na Penha ( subúrbio do Rio ) e se surpreendiam com as composições. Àquela altura, nos parecia impossível termos tomado o caminho errado, estávamos convictos do trabalho e motivados, e foi isto em última análise que desenbocou no Velha Gravura alguns anos depois.
Naquela época nossos shows eram compostos das músicas do Velha Gravura, 3 que viriam a fazer parte do primeiro album do Index, e 2 do album do Kaizen. Era uma época de grandes conquistas e muitos sonhos, e embora as dificuldades pra se alcançar o tão sonhado "primeiro disco" fossem literalmente estratosféricas, tinhamos fé que conseguiríamos chegar nele.
Lembro que fui incentivado por um amigo pessoal, que conhecia tecnicamente o processo de fabricação do vinil e também o nosso trabalho, e era um dos entusiastas do Quaterna Réquiem naqueles tempos. Depois da conversa que tive com ele, saí tão entusiasmado que cheguei pra ensaiar convicto que tínhamos que gravar o material de qualquer jeito, lembro até da conversa que tivemos naquele dia. O plano seria gravar, depois veríamos como arrumar alguém pra prensar o Velha Gravura já que no orçamento ( leia-se "no nosso bolso" ) mal cabiam os custos da gravação. E a gravação do Velha Gravura foi uma verdadeira catarse, nós 5 dentro de um estúdio no Meyer, no Rio de Janeiro, e mais um técnico de gravação que acabou se tornando um amigo fraterno, recentemente falecido, Paulinho Palhares.
Em música, quando as coisas dão muito certo, é porque várias condições estão presentes. Além de talento, é necessário ter amizade e companheirismo, e ninguém era mero coadjuvante na banda naqueles tempos. E existe ainda uma questão muito importante, o momento certo. Aquele era o nosso momento, por sorte tinhamos amadurecido o repertório todo e chegado ao ponto de gravá-lo no melhor momento da banda. Éramos dedicados, e compartilhávamos uma enorme ansiedade de ver o trabalho ganhar o mundo, algo que só seria possível se pudéssemos gravá-lo.
ProgBrasil: Quais os motivos para deixar o Quaterna, assim como o Rio de Janeiro e rumar em direção ao sul do país, local onde se deu a formação do Index?
Jones: As duas coisas tiveram a mesma motivação, a mesma razão. Antes do profissional existe o ser humano, e naquela época eu passava por problemas particulares que me atrapalharam a concentração, e me impediam de atuar com a dedicação que a banda e meus amigos mereciam. Por mais doloroso que tenha sido pra todos nós, e efetivamente foi muito doloroso, eu achei que precisava sair pra que tivesse um tempo pra colocar a cabeça no lugar. Hoje, com a maturidade que tenho, sei que poderia ter administrado melhor as questões emocionais, sem precisar abandonar algo que fundei e que tanto amava. Mas também sei que é fácil analisar as coisas quando as olhamos de fora, além de que ninguém vive por nós as coisas que nós precisamos viver. Sempre fomos amigos, e tendo sido o primeiro a sair mesmo antes do Marco e do Kléber, que sairam logo depois por não conseguirem conciliar a banda com suas obrigações profissionais, dá pra imaginar a ruptura que foi pra todos nós aquele momento.
A parte boa é que acabei decidindo sair do Rio de Janeiro também, esta sim uma decisão madura e a mais acertada que já tomei na vida, e que em nenhum momento me arrependi ou pensei em voltar atrás. Embora tenha muito orgulho das minhas raízes cariocas, sair do Rio me permitiu olhar a vida por uma outra perspectiva, melhor e mais saudável.
ProgBrasil: O Index já nasceu com uma grande obra homônima em 1999(devidamente esgotada), provando que a chama progressiva estava mais acesa que nunca em ti, como foi o desenvolvimento de um trablho com uma nova equipe de músicos, bem como a recepção do púbico naquela ocasião?
Jones: A recepção ao primeiro album do Index não poderia ter sido melhor. Meu projeto inicial era reunir músicos e gravar minhas composições da época do Quaterna, pra que houvesse um registro delas. Como havia pouco tempo que estava no sul, tive aquela natural dificuldade no início de encontrar as pessoas certas. Foi quando conheci o Otaviano Kury, e aí meu projeto inicial mudou completamente. Minha impressão inicial estava correta, tratava-se de um grande músico e alguém com quem poderia efetivamente montar uma banda, compartilhar idéias e fazer mais do que um único album. Desta percepção nasceu o Index como banda, e embora o primeiro álbum tenha nascido da herança de repertório do Quaterna, jamais teria tido o brilho que teve sem a mão do Otaviano nos arranjos e na produção. Enfim, havia encontrado um amigo, com um talento enorme, e disto nasceu o Index.
ProgBrasil: Os trabalhos subsequentes, ''Liber Secundus (2001)'' e ''Identidade''(2004) também já se esgotaram, ainda assim, algumas
críticas negativas surgiram, principalmente na comparação ao primeiro disco, como conviver com essas críticas num segmento tão restrito?
Jones: Considero natural e legítimo que as pessoas tenham uma opinião, eu mesmo as tenho em relação ao meu próprio trabalho. Todas as críticas, positivas e negativas, são sempre bem vindas. Prefiro uma crítica embasada, que te faz crescer profissionalmente, do que um tapinha nas costas.
Pela minha experiência, acho que existe uma dificuldade no artista em saber quando dar atenção a determinada observação, e separá-la daquelas que vem calcadas puramente no gosto pessoal. É mais fácil ser refratário a tudo, porém identificar e dar atenção a determinadas observações pertinentes nos fazem crescer. Meu professor de composição certa vez fez comentários pertinentes em relação à harmonização de uma música do Velha Gravura, eu poderia discordar cegamente, mas dei atenção ao que ele dizia e aprendi com isto. Já a opinião de alguém que só goste de progressivo sinfônico, por exemplo, não deve ser elemento de transformação do trabalho do Magma ou do Henry Cow. O que quero dizer é que não existem verdades absolutas, por isso ouço o que falam do meu trabalho com atenção e respeito, embora nem tudo eu leve realmente em consideração.
Quanto aos albuns, obviamente gosto de tudo o que fiz, mas tenho minha própria opinião sobre eles e cada um tem uma história diferente. O período imediatamente anterior à gravação do Liber Secundus, foi sem dúvida o momento mais difícil da banda devido a transição desde a saída da Eliane. O processo de recomposição foi extremamente complicado e desgastante, tivemos muitos problemas com os músicos que entravam e saiam, foi uma época terrível. Isto até encontrar o Léo e o Ronaldo, que deram uma oxigenada no trabalho e nos fez renascer, e a família que até então era de 2 pessoas, passou a ser de 4. A crítica que tenho ao Liber Secundos é em relação à sonoridade final dele, um tanto "modernosa" demais pra proposta do Index. Foi nossa primeira e última experiência com aquilo que, pra mim, se tornou o inimigo número 1 do Index: o ProTools!!!
Já no Identidade, devido a isto, enquanto iamos ensaiando e compondo o repertório, nossa única certeza era que a sonoridade do album fosse diametralmente oposta ao album anterior. Conseguimos comprar um gravador analógico ( fita ), uma máquina de 16 canais e com isto fizemos tudo do nosso jeito, como a gente queria e sem concessões. Embora as pessoas tenham suas predileções e eu as respeite, o album que eu sempre quis gravar na vida é o Identidade, desde a primeira nota que coloquei no pentagrama até o último "stop" do gravador de rolo. É o trabalho que mais gosto dentre todos os que fiz até hoje.
ProgBrasil: Como foi a experiência de se apresentar no RARF, voltando a tocar para uma platéia carioca?
Jones: Foi muito gratificante, e pro Otaviano, pro Ronaldo e pro Leonardo uma experiência inesquecível pois foi a primeira vez que os três tocavam para um público composto somente de fãs de rock progressivo, já que o público gaúcho é mais eclético no universo do rock em geral. Embora a situação caótica da produção do show, incluindo uma inacreditável passagem de som que nos deixou ainda mais apreensivos, não tinhamos vindo de tão longe pra morrer na praia. Mas acho que muito do sucesso daquele show de deveu a nossa experìência como músicos, por isso inclusive lamentei o ocorrido com o Octophera pois foram prejudicados.
ProgBrasil: E a apresentação no México? Quais foram os pontos marcantes daquele histórico show? Como foi a reação do público após o evento?
Jones: Bom, este foi sim o ápice do Index e da minha carreira! Nada se compara ao que vivemos e sentimos lá naquela semana. Vendemos todos os CDs que levamos, e se tivessemos conseguido levar na bagagem o triplo da quantidade, ainda assim teríamos vendido tudo. Pessoas de todos os lugares vindo nos parabenizar, demos mais entrevistas lá que nos 11 anos em atividade aqui no Brasil, e autografei mais camisetas com a estampa do Velha Gravura que na época que tocava no Quaterna Réquiem. Foram dias mágicos, e uma promoção pro nosso trabalho que não teríamos como fazer sem a ajuda do Leonardo Nahoum e da Rock Symphony, nosso produtor na época.
E do show em si, fomos muito bem. Voltando àquilo que falei antes sobre as criticas, a gente sabe quando os elogios são espontâneos e sinceros, e quando são somente educados. O Leo tocou demais, tanto que foi escolhido o baterista do festival por uma destas revistas especializadas que fazem reviews. Mas o mais emocionante foi o episódio do Ronaldo com o Bill Kopecky que acompanhava o Par Lindh. Ao final do nosso show, o Kopecky foi cumprimentar o Ronaldo, e teceu enormes elogios a ele. Ao final do show do Par Lindh, o Ronaldo meio tímido foi retribuir a gentileza e cometeu a besteira de dizer que ele ( Kopecky ) era o grande baixista do festival. O cara virou pro Ronaldo e disse "não..não... você foi o melhor, realmente!! ". Por mais que eu deteste comparações, muito menos esta coisa de "melhor X pior", não tivemos como evitar que a situação inusitada nos enchesse de orgulho, e obviamente o Ronaldo não cabia dentro de si.
Se musicalmente o show foi fantástico, pessoalmente o mais marcante foi ter podido conversar com um dos meus grandes mestres na música, o grande Thjis Van Leer. Além do músico e do compositor genial que é, que pessoa fantástica aquele sujeito. Ele é a reafirmação de uma coisa que aprendi cedo na música: quem conhece seu próprio valor não precisa de estrelismos, não precisa de pedestal, nem manter distância das pessoas que gostam do seu trabalho. Tão importante quanto ter seu trabalho reconhecido pelas pessoas, é saber respeitar as mesmas pessoas que gostam dele.
ProgBrasil: Após o renascimento do rock progressivo nos anos noventa, estamos vivendo um momento de entre-safra, como anda, na sua visão, o panorama do rock progressivo no Brasil ? E no exterior?
Jones: Gostos à parte, acho que os artistas continuam produzindo um rock progressivo de qualidade, tanto aqui no Brasil quanto no exterior. Temo que o nosso problema atual não esteja propriamente ligado aos ciclos de altos e de baixos, épocas de entresafra e de retomada que o progressivo sempre experimentou ao longo dos anos. O paradoxo dos dias de hoje é a veiculação do trabalho.
Por isso, acho que a sobrevivência não só do rock progressivo, mas da música enquanto produto, passa necessariamente pela solução disto, que se tornou um problema. Embora felizmente o Index não tenha tido problemas pra vender os trabalhos, não vivemos numa ilha deserta e percebo o que acontece a minha volta. Sem uma forma de gravar o trabalho, e que este se pague, cada vez mais crescerão as dificuldades dos artistas e menos trabalhos serão lançados. O que antes era caro porém vendia, hoje se tornou mais barato mas muitas vezes nem se paga. Fazer um investimento no passado pra gravar um LP era caro, mas havia retorno e garantia o trabalho seguinte. Hoje se tornou mais barato lançar um CD, só que não vende e muitas vezes nem se paga.
Então como esperar um próximo trabalho? Vejam que não me refiro à modelos de mega-sucessos da indústria do entretenimento, apenas gostaria que todo artista pudesse garantir a continuidade do seu trabalho com recursos captados dentro da própria cadeia musical, um album gerando recursos que garantissem o próximo. Esta é a questão a ser resolvida.
ProgBrasil: É possível traçar uma estimativa positiva para o estilo na próxima década?
Jones: Não identifico problemas de criatividade, acho que tudo passa pelo que comentei na pergunta anterior, depende de como será equacionado o problema da veiculação do trabalho. Sinceramente, se continuar o panorama atual, acho que cada vez mais teremos verdadeiras obras-primas engavetadas, que jamais verão a luz do dia. É quase como que voltar à época de Bach, Vivaldi e Mozart em que só existia música executada ao vivo, e o único registro possível era a escrita em partitura.
ProgBrasil: Quais grupos e artistas nacionais, que estão na ativa, fazem por merecer uma atenção especial do público?
Jones: Gosto muito de 3 bandas, Tempus Fugit, Wejah e Poços e Nuvens. A Tempus nem precisaria comentar por razões óbvias, mas acho que o Chessboard a colocou novamente no olho do furacão, é dos lançamentos recentes o que mais gosto. O Wejah tem uma interessante mistura harmônica, nada óbvia, que o diferencia e chama bastante a minha atenção, particularmente o trabalho harmônico de guitarra do Nelson. E a Poços e Nuvens com sua mistura de progressivo sinfônico com música nativista do sul do Brasil, é também um trabalho singular e do qual gosto muito.
ProgBrasil: As novas tecnologias, principalmente as mídias e internet, são aliadas ou inimigas dos músicos?
Jones: Independente da minha predileção pelo mundo analógico, acho que alguns elementos que a era digital trouxe, que a princípio seriam facilitadores, foram subvertidos e se voltaram contra os músicos. Não creio que exista uma solução simples, pois isto é de certa forma, uma consequência da mudança de comportamento das pessoas.
Outro dia um amigo me contava sobre o fim do mercado de relógios de pulso, pois a mudança de comportamento das novas gerações, que olham a hora no celular, praticamente a tendência a medio prazo seria acabar o mercado como existe hoje, e os relógios de pulso tenderiam a passar a ser vendidos para poucas pessoas, e como jóias.
Acho que a questão da música é semelhante, o mp3 que poderia servir como facilitador na divulgação, se tornou para o consumidor "o próprio produto" em si, a ponto das pessoas acharem que um amontoado de arquivos num HD representa uma coleção de alguma coisa. Pior ainda, muitos ouvem naquelas caixinhas multimidia de computador.
Vejam bem onde chegamos... coleção de algo intangível, ouvida em algo que não é equipamento de audio. É neste mundo que estamos vivendo, e por ser algo comportamental, não creio que exista uma solução simples.
ProgBrasil: A tecnologia digital foi capaz, ao longo dos anos, de suplantar as gravações analógicas?
Jones: De forma alguma! Se formos analisar a natureza física de um sinal de audio, ela é analógica. Tudo o que o universo digital faz é simular, pra muitas aplicações de forma até fiel, a natureza deste sinal de audio que nasceu analógico. Portanto, de cara já estaríamos diante de uma grande contradição, como poderia a simulação de alguma coisa suplantar a mesma em "estado bruto"?
Além disto, há que se levar em conta que o CD nasceu com um formato extremamente limitado, na época por razões do alto custo dos conversores, mas inevitavelmente se tornou o padrão. Mesmo com taxas maiores como as do DVD-Audio e SACD, tudo isto são codificações e decodificações de algo cujo estado bruto é essencialmente analógico.
Ainda assim, é muita "química" adicionada... imaginem que em gravações digitais, quando a dinâmica da música a leva para volumes muito baixos, é necessário somar um ruído à musica pra transformar os erros de quantização da conversão do sinal analógico em informação digital, em algo mais aleatório e assim fazer parecer um ruído de fundo ( Dithering). Como pode algo em que até o ruído de fundo é fabricado, suplantar o gravador de rolo?
Como já disse anteriormente, tenho restrições a sonoridade do Liber Secundus, que foi o único de todos os meus trabalhos que foi gravado digitalmente, com ProTools / Macintosh. Todos os outros - Velha Gravura, Index e Identidade, foram gravados em rolo analógico.
A única discussão pertinente no que se refere ao "analogico versus digital" está no fato dos LPs de vinil, principalmente os de baixa qualidade, trazerem chiados e ruídos que os CDs não têm. Porém os LPs estão em processo de franca evolução, onde os recentes LPs de 180 e 200 gramas praticamente não apresentam mais ruídos de fundo nem clics.
ProgBrasil: Como foi a experiência de produção relativa ao DVD do Index e a parceria com o selo carioca Masque?
Jones: Embora complexa, a produção do DVD foi uma experiência nova e muito gratificante pra todos nós. E a parceria com a Masque foi simplesmente perfeita, o Gustavo Paiva foi mestre no trato conosco e um cara muito correto.
Durante a produção, nosso maior questionamento foi em relação ao que queríamos para a estética visual do DVD, que era o ponto de partida de tudo. Foi interessante o exercício de imaginar com que cara nossa música se identificava. Nos foi oferecido toda sorte badulaques visuais, luzes "girantes", decoração de palco, etc.. mas só conseguíamos nos ver no Focus At The Rainbow. Depois de muitos "tratos a bola", decidimos que queríamos algo assim, por mais que gostassemos dos efeitos visuais de muitos shows que conhecemos, queriamos algo cru e que realmente valorizasse principalmente a nossa música.
Havíamos conseguido um patrocínio do programa de incentivo a cultura da prefeitura de Caxias do Sul, que se não conseguia cobrir todos os gastos, viabilizou com extrema qualidade a parte mais complexa que foi a produção e a captação de audio e video do show. Devido a nossa inexperiência com produção de video, tivemos um contratempo e uma enorme dor de cabeça com a primeira edição das imagens, feita por quem cabia no orçamento mas não na nossa expectativa. De volta à prancheta, desta vez mais bem assessorados, atingimos o que queríamos pro resultado final.
ProgBrasil: Qual a faixa que mais te agradou como resultado final neste DVD? Por que um cover do Jean-Luc Ponty nos bônus?
Jones: Acho que o DVD ficou bastante homogêneo, inclusive tentamos preservar ao máximo o que foi o show, permitindo até que alguns pequenos erros de execução fossem pra versão final. Queríamos acima de tudo que fosse um trabalho verdadeiro, e neste ponto nos orgulhamos do resultado final. Inclusive, a Fogos de Santelmo foi pros extras por não termos como fazê-la na versão 5.1 de verdade, como estão as outras musicas, devido a um problema técnico durante a captação do audio no show durante esta musica. Poderíamos ter usado os famosos plug-ins que simulam 5 canais a partir do estereo nesta musica, mas depois de tanto esmero com o resto do audio seria empobrecer algo do qual nos orgulhamos.
Quanto a Rhythms Of Hope, por ter um trabalho autoral, não temos muito espaço pra covers, por isso gostamos de fazer uma referência tal como na Starless, e seria esta a idéia inicial. Porém, o Ronaldo chegou com o solo de baixo todo tirado, e havíamos convidado o Kleber pra vir tocar conosco a "Quaterna Requiem" na versão que tocávamos nos shows do meus tempos no Quaterna. Então resolvemos tocar toda ela, e o maior trabalho mesmo foi conduzir a harmonia da Fogos de Santelmo pra fazer a junção ficar legal e soar natural, sem modulações bruscas.
Um das coisas que nos deu mais prazer foi dividir o palco com 2 amigos queridos, que deram um brilho extra ao DVD, Kleber Vogel no violino na Quaterna Requiem e Rafael Gubert no vocal da Guernica em NY.
ProgBrasil: Existe algum grupo/artista que você gostaria de assistir ao vivo, caso surgisse uma oportunidade?
Jones: Eu tive a oportunidade de assistir muita coisa que fez parte da minha formação, mas realmente assistir o Yes e o Focus foram momentos indescritíveis. Se houvesse viabilidade, uma vez que nem juntos estão mais, eu gostaria de assistir o Focus com o Jan Akkerman e o Gentle Giant.
ProgBrasil: Se tivesse que escolher cinco discos para levar a uma ilha deserta, quais seriam?
Jones: Pergunta complicada esta, hein... pra ser justo com algumas das minhas maiores influências, eu levaria o Close To The Edge, Focus 3, Machine Head do Deep Purple, o Inner Mounting Flame da Mahavishnu Orchestra e o Dark Side Of The Moon.
ProgBrasil: Você já desenvolveu ou pensou em desenvolver alguma obra conceitual? Caso positivo, qual seria o tema a ser escolhido para uma abordagem musical ampla? Quais obras conceituais você gostaria de destacar como referências, já que o universo progressivo está repleto delas?
O Index está trabalhando em novas composições para um novo disco de estúdio?
Jones: Curiosa a pergunta, pois é justamente no que estamos trabalhando pro próximo trabalho, um album conceitual. É que depois de gravarmos o Identidade chegamos numa grande questão: o que fazer depois de gravar o album que cada um de nós sempre sonhou gravar? O lançamento do DVD ano passado nos deu tempo pra compor com calma, e é nisto que estamos trabalhando.
O tema será a pós-moderindade, não com uma abordagem depressiva, "pós-escombro", mas como uma constataçào da presença, cada vez maior, da incerteza na vida do homem; falência da ciência como resposta a tudo; retomada da sensibilidade; falência das ideologias (todas); necessidade de uma identidade global (identidade planetária) e de um novo humanismo, mas com respeito às diferenças. Pra isto contamos com o Francisco Kury, irmão do Otaviano, que é professor de filosofia e escreve muito bem. Mas como disse, não temos pressa pois queremos que esta obra nos dê o mesmo prazer e mantenha o nível do Identidade, pelo menos pra nossa própria autocrítica.
Das obras progressivas conceituais, considero o Dark Side Of The Moon uma obra prima, aquilo que só acontece quando todas as pré-condições pra um clássico como aquele são atendidas. E duvido que alguém chega naquele resultado projetando-o, acho que ele simplesmente acontece. Gosto muito também das obras iniciais do Rick Wakeman, Six Wives e VIagem ao Centro da Terra.
ProgBrasil: Jones, parabéns pela bela carreira, desejamos sempre o melhor e qual recado final deixaria para aqueles que pensam em se
aventurar no universo progressivo?
Jones: Agradeço aos amigos pela oportunidade, e dou os parabéns pela iniciativa de vocês.
Aos musicos que pretendem abraçar esta causa, jamais negligenciem a formação. O talento é fundamental, mas sem estudo, disciplina e perseverança fica muito dificil materializar um trabalho de verdade.
Um abraço a todos!
Jones Junior / INDEX