Entrevistas

Alexl (2010-01-04)

Conduzida por Gibran Felippe





ProgBrasil: Nota-se em sua obra ''Triz'' uma forte acentuação poética, qual paixão surgiu primeiro em sua vida? Música ou Poesia?


Alexl: Música, certamente. Foi a primeira, entre as duas, que me chamou a atenção, a primeira que me utilizei para expressar alguma idéia (fora o desenho, que acabei abandonando quando comecei a tocar...) e, definitivamente, a forma que me é mais fácil para entender e me expressar. Na verdade não sou um apaixonado por poesia, acho que tenho um ou dois livros do gênero apenas, a maioria de autoria de amigos. Além disso, gosto do que escrevo mas para mim é uma tarefa muitíssimo mais difícil do que compor e raramente consigo chegar ao nível de me orgulhar do feito. Tenho um livro de poemas que vou começar a dar de presente a alguns amigos (já que desisti de tentar editá-lo...) onde coletei 90% de tudo o que escrevi até hoje: não somam mais de 40...


ProgBrasil: Como foi o início de sua carreira musical? Quais são suas principais influências?


Alexl: A 2ª parte desta pergunta eu vou deixar para depois, por uma questão cronológica. Bem, minha ''carreira musical'' começou aos 14 anos quando comecei a dar aulas de violão (ensinando o ''quase nada'' que aprendi em um ano de aulas...). Porém, as primeiras coisas que fiz como artista/criador foram influenciados (pasmen!) por ABBA. Assisti um especial deles durante o natal de 81 e me encantei por aquelas sex symbols (atualmente, senhoras sexagenárias...) e pelas harmonias vocais. Comecei a colecionar seus discos e, pela primeira vez, me interessar em descobrir que som tinha uma guitarra elétrica, que tipo de guitarra era uma ''acoustic guitar'' e que diabos era um sintetizador. Nessa época, comecei a aprender os fundamentos da escrita musical com um amigo mais velho (hoje, meu compadre...) e dei meus primeiros passos em relação à composição. Como tudo que eu ouvia era ABBA, obviamente tudo o que escrevia tinha o formato das músicas do grupo, inclusive com letras em inglês.

Lá pelo início de 82, ouvindo as rádios de sucesso da época, conheci a música ''No Reply At All'' de uma banda desconhecida, uma tal de ''Genesis''. Minha escuta, já educada na tarefa de acompanhar cada instrumento do arranjo, ficou fascinada pela linha de baixo que cantava a música toda. Pedi o compacto (lembra o que é isso?) de presente de natal e acabei ganhando o LP (Abacab). Achei os arranjos diferentes de tudo o que havia ouvido. Lembro que ouvia-o pouco mas sempre com muito prazer. Aí, por volta de 83 conheci a Rádio Fluminense FM, a ''maldita'' e o universo se abriu na minha frente! Lembro que ouvia a rádio todo o tempo que podia e ficava anotando o nome das músicas para depois correr atrás dos discos nas lojas. Genesis, Led Zeppelin, EL&P, Bacamarte, The Who, Yes, King Crimson, Mike Oldfield, Jethro Tull, Police... eu não parava de anotar nomes e de comprar discos...

Em 85, após terminar o curso de eletrônica, acabei entrando para a 1ª turma da recém criada faculdade de música das Faculdades Integradas (hoje Universidade) Estácio de Sá. Lá, durante as aulas de História da Música, outro universo igualmente amplo se descortinou à minha frente. As conexões começavam a fazer sentido: Scarlati e Rick Wakeman, Bach/Bartok/Bernstein e EL&P, Steve Reich/John Adams & Mike Oldfield, e ainda tinha Debussy, Ravel, John Cage, Stockhausen, Villa-Lobos, Scriabin...

Nessa época já tinha composto várias coisas e tinha metade de um disco todo escrito com partitura, capa e tudo. Mas minha primeira banda (fora os grupos com que comecei a tocar na noite) foi formada em 91: Ágape. Não teve muito fôlego (não chegamos sequer a fazer um show) mas foi onde a maioria das músicas de ''Triz'' começou a surgir. Dispensamos o tecladista porque nunca estudava as músicas e, nesta época, num encontro de baixistas promovido por um amigo, conheci Lôis Lancaster, baixista, fundador e principal compositor da banda Turangalîla...



ProgBrasil: Antes do lançamento oficial do seu primeiro disco ("Triz"), o público afeito ao rock em geral e mais estritamente ao progressivo, o conhecia através de sua participação no grupo carioca Turangalîla. Fale um pouco sobre esta experiência, o grupo possuía material próprio?


Alexl: Pois é, no tal encontro deixamos o anfitrião de lado e começamos a assistir a um vídeo pirata do Gentle Giant que Lôis levou para o encontro porque foi informado pelo responsável pela reunião que eu era fã da banda. Depois disso ficamos mostrando as linhas de baixo de nossas músicas um para o outro e rolou uma admiração e empatia musical instantânea. Algum tempo depois ele me convidou para acompanhá-lo a um estúdio (onde o Quaterna Réquiem havia gravado seu primeiro álbum...) para pegar a 1ª fita demo da banda. À 1ª audição do cassete, percebi que não lembrava de nada tão interessante e criativo feito no Brasil desde Os Mutantes e, depois de assistir a um ensaio somente com o Lôis tocando baixo e cantando e o Luciano na bateria, pedi para fazer qualquer participação no trabalho, nem que fosse batendo palma ou assobiando em alguma parte :-)

Eles também estavam procurando um tecladista mas resolveram me chamar, mesmo sendo baixista também, pelo entusiasmo que demonstrei. No natal de 1991 o Lôis me fez o convite e, até hoje, todos os anos eu lhe telefono agradecendo pela experiência incrível que foi entrar para a banda.

Em vez de levar um baixo, eu cheguei no meu primeiro ensaio com um bandolim e uma flauta-doce e comecei a sugerir "_Eu podia fazer isso aqui, aquilo ali, escrever uma outra voz para esta parte, pegar uma guitarra emprestada de um amigo para fazer outra linha...". No fim das contas, só houve uma única música de nosso repertório (sim, só tocávamos material próprio...) que tinha dois baixos ao mesmo tempo, e só num pedacinho...

Aproximadamente 80% do material do Turangalîla era formado por linhas de baixo incríveis e um arranjo de bateria virtuosíssimo com uma letra de altíssimo nível (o Lôis hoje é professor/doutor em literatura...) mas com a voz fazendo a mesma coisa que o baixo. Eu me encarreguei de costurar as partes, criar quase todos os arranjos instrumentais e vocais e compor uma das músicas.



ProgBrasil: Por que o Turangalila não entrou em estúdio para um registro oficial?


Alexl: Egos... Mas, com perdão do trocadilho, foi por um triz. O antigo guitarrista da Ágape, pediu para entrar pro Turangalîla. Era dia 1º de agosto de 1992 e ele me catou na casa de um amigo (naquela época ainda não havia celular e ele ficou telefonando de buraco em buraco até me achar lá). Eu disse que a banda não era minha mas, se o pessoal topasse eu também ficaria feliz. Dispensamos o tecladista (o mesmo da Ágape! Até hoje não sei como cometi o mesmo erro de convidá-lo duas vezes...) e logo começamos a refazer os arranjos para mais uma guitarra. Algumas partes de teclado eu acabei assumindo e outras foram passadas para o novo integrante.

O problema foi que ele entrou com umas idéias meio separatistas... na verdade queria encontrar músicos para tocar sua própria música e, não demorou para começar a criar uma panelinha dentro do grupo. Primeiro criaram um trio de jazz, depois começavam a se lamentar sobre o outro guitarrista porque ele tinha emprego com horário fixo e nem sabia ler música...

Neste ponto a banda, que nunca havia feito um show, já era venerada pelos freqüentadores dos ensaios em Jacarepaguá. Lembro de uma banda, a Möebius Tesseract que citou num jornal como influências Yes, EL&P e Turangalîla...

Fomos convidados a gravar um álbum por um olheiro (ou seria "ouvideiro"?) que andava pela Rua 13 de Maio (onde o pessoal que habita hoje a Pedro Lessa vendia seus discos). O cara, peixinho de aquário, tinha uma parceria com o Zaher Zein, verdadeiro tubarão-baleia, dono da Zein Imobiliária e colecionador de rock progressivo e de carros de luxo antigos. Fomos ao luxuoso escritório do Zaher mas, porque estávamos adaptando o repertório para o novo guitarrista, ainda não poderíamos entrar em estúdio. Em nosso lugar, contrataram o Topos Uranos que conhecemos mais tarde durante as gravações de seu álbum.

Depois de um micro-show numa sala de aula da FAETEC, fizemos nossa estréia na antiga boate Psicose na Tijuca, por incrível coincidência no 1º aniversário de morte de Olivier Messiaen, autor da sinfonia Turangalîla, de onde Lôis Lancaster tirou o nome da banda. Zaher foi, pediu um convite gratuito (ô, mão-de-vaca!) e no final do show nos procurou dizendo que tínhamos de entrar em estúdio logo. Era a realização de todos os nossos projetos! No primeiro ensaio após o show, a panelinha do trio de jazz veio com uma conversa de dar um tempo para descansar e voltar às atividades depois de uns 6 meses...

A idéia por trás disso era dispensar o guitarrista-que-não-sabia-ler-música (mas tocava melhor que nós três juntos...) sem parecer um fim-de-relacionamento. A banda encerraria as atividades e logo depois os membros amotinados se reuniriam e formariam outra banda (com o mesmo nome, talvez) convidando quem quisessem. Como provei por A + B que a idéia de descanso logo naquele momento era completamente absurda, a banda continuou os ensaios até que, pouco tempo depois, o tal guitarrista e o baterista Luciano resolveram se desligar.

Tentamos continuar o trabalho mas o tal guitarrista levou metade do equipamento embora (inclusive uma guitarra Ibanez que eu usava emprestada de um amigo e que ele comprou algumas semanas antes) e a inércia para re-arranjar e ensaiar tudo com um novo baterista e sem um integrante, teclado e 2 guitarras a menos foi demais para os remanescentes.

Ainda tentei re-ativar a banda por 2 vezes. Mas tudo parecia depender de mim e já tinha meu próprio trabalho pronto para começar a gravar, não dava para ficar ligando para todo mundo para não esquecer do ensaio...

Na última vez que tentei, botei na cabeça que seria um esforço apenas para registrar as músicas num CD, sem cogitar a idéia de shows. Passei 20 dias de minhas férias trancado num quarto transcrevendo todos os arranjos do único registro que sobreviveu, o VHS vagabundo do show, e juntando fragmentos de arranjos escritos em pedaços de cadernos de música, papel milimetrado, guardanapos de papel e equivalentes. Foi um trabalho de arqueólogo e de perito judicial mas consegui transcrever ou refazer tudo. Logo depois começamos a gravar o material em minha casa mesmo. Já fazem três anos e ainda não terminamos, mas agora há uma esperança. Quem sabe ano que vem quando eu terminar o mestrado...



ProgBrasil: Como foi a recepção do público para com o seu primeiro trabalho solo "Triz"? Como encarar críticas negativas num segmento tão restrito? Contribuem para engrandecer o trabalho do músico ou desmotivam por completo?


Alexl: A recepção foi excelente, muito melhor do que eu imaginava. Eu achava que seria um bom disco para o público de progressivo mas me surpreendeu como gente de todas as idades e gostos musicais diversos elogiaram o trabalho. As críticas foram excepcionais. Depois de mais de quase dois anos de lançamento recebi a 1ª crítica negativa dizendo que eu não parecia tanto com Gentle Giant como as pessoas diziam. Outro, logo depois, dizia que a banda queria muito se parecer com Gentle Giant mas não conseguiu, e que eu devia ou me aperfeiçoar na imitação ou procurar ser diferente. Bem, eu nunca quis nem pensei em ser parecido com Gentle Giant e, afinal, se eu não consegui parecer é porque já sou diferente, né, criatura? Cada coisa que me aparece...

De qualquer modo, no meio de umas trinta e tanto, essas foram as únicas ruins. Mas não me importam tanto se são elogiosas ou não: me importam que sejam boas e bem escritas. Elogio eu recebo de minha mãe que não entende nada de música. Gosto daquelas que dizem "É bom/ruim por isso, aquilo e aquilo outro", e tive a felicidade de ver que vários críticos percebiam minha música como eu mesmo, e reparavam em cada detalhe que me esmerei durante anos criando (só para gravar levei 8!).



ProgBrasil: O design gráfico de "Triz" ficou a cargo do artista Bernard, um referencial no meio. Recentemente Bernard sofreu um grave acidente, mas se recupera bem, qual o grau de importância, na sua visão, de um trabalho gráfico bem desenvolvido nestes tempos de mp3 e lojas on line, onde o público mal interage com a concepção gráfica de um álbum?


Alexl: Caramba, não sabia! Hoje mesmo vou ligar para ele! Curiosamente, apesar de admirar o trabalho do Bernard, ele foi minha última opção. Achava o trabalho dele muito preso ao estilo e queria que as pessoas vissem a capa de meu CD e não conseguissem advinhar que tipo de música tinha dentro. Mas depois de me estressar com o trabalho de dois amigos amadores acabei apelando para seu profissionalismo e competência. Hoje não há ninguém em quem eu confiaria um trabalho visual como confio nele.

Quanto ao público de hoje eu não sei dizer, estou me sentindo um pouco perdido nessa modernidade. Para mim continua sendo importante mas não sou mais referencial de nada neste campo. Ainda sinto saudades das capas (e só disso) do vinil e entupo meu iPod de 160Gb de milhares de coisas que depois acabo comprando em CD. Minha ligação com a imagem é muito forte. Até os 14 anos todos (até eu) pensavam que eu seria um desenhista ou artista plástico. Quase sempre que componho uma música, já imagino a capa do álbum, o cenário e o figurino do show.



ProgBrasil: "Triz" foi distribuído pela Rock Symphony, como ocorreu esta parceria com o selo niteroiense?


Alexl: Fui apresentado ao Nahoum pelo Rodrigo Araújo, aquele amigo que havia me emprestado a 1ª guitarra nos tempos do Turangalîla. Rodrigo estava trabalhando como designer na Rock Symphony. Quando a master de meu CD ficou pronto eu levei uma cópia para o Nahoum. Fizemos um contrato de distribuição: ele comprava metade da tiragem inicial em troca de botar o selo de catálogo dele na contra-capa. De quebra, ganhei também um selo da Musea, a distribuição do CD em toda parte do mundo e resenhas em tudo quanto é site e revista do gênero.



ProgBrasil: A sua apresentação no Teatro Municipal de Niterói no Festival Rock Symphony For The Record para a divulgação do "Triz" foi marcada por uma programação com roteiro bem definido, inclusive com espaços para declamação em forma de recital. Este script tem algo a ver com sua experiência compondo para peças teatrais?


Alexl: Hum... não sei, pode até ser. Tem mais a ver com a oportunidade de mostrar minha (escassa) produção poética e com os buracos que tinha de preencher no show por conta das dificuldades que encontrei para montar todo o repertório do CD.



ProgBrasil: Outro aspecto daquele show foi a imensa fidelidade com que os músicos executaram as faixas do álbum, inclusive os movimentos mais complexos, mostrando que provavelmente os ensaios foram árduos. Você se considera um perfeccionista?


Alexl: Sim, me considero. Algumas vezes isso me atrapalha bastante. Se estivesse na platéia, eu daria uma nota 7 para o show. Mas em cima do palco as coisas são diferentes e não chegaria a 5 nem com boa vontade. De qualquer modo, o resultado me surpreendeu. Tive inúmeros desfalques no grupo desde quando marcamos a data do show. Um mês antes eu pensei em desistir e avisar logo ao Nahoum para que arrumasse um substituto a tempo. O resultado nos ensaios estava tão catastrófico que eu estava vendo meu nome queimado para sempre. Então fiz uma reunião com alguns membros, dispensei um guitarrista, assumi seu papel e descartei várias das músicas. Ainda assim aquela banda que você viu só foi fechada uma semana antes!



ProgBrasil: Existe alguma possibilidade daquele show ser lançado em DVD?


Alexl: Do jeito que está eu não gostaria muito, só se desse para refazer algumas partes. Tem umas coisas absurdas como eu pedindo em vão ao técnico para soltar umas vozes em background (da música "Nós") e depois que eu começo a cantar as vozes aparecem por cima! Guitarras desafinadas, o prelúdio de minha cantata cujo final o tecladista esqueceu, e por aí vai. De qualquer jeito isso é com o Nahoum, ele é quem bancou a produção e é ele o detentor do material.



ProgBrasil: Logo na abertura do álbum "Triz", com a instrumental "Todo O Tempo Do Mundo", o conceito do Tempo se faz marcante, inclusive os samples trazem certa reminiscência a um dos maiores clássicos do Pink Floyd, a música "Time". Existe alguma conexão?


Alexl: Com o Pink Floyd não. Quando 80% das músicas estavam compostas e eu precisava de mais material para fechar o CD, reparei que várias das letras tratavam do tempo de formas diferentes (uma obsessão minha, já que nunca encontro o suficiente para fazer as coisas que quero...). Achei o conceito interessante e direcionei o resto da trabalho para ele. Inclusive botei na cabeça que o CD deveria ter exatamente uma hora e com 12 faixas (uma para cada hora do relógio). O título do CD seria Tempus Fugit ("o tempo foge" que aparece escrito em alguns relógios antigos). Mas aí o André Mello encerrou o Visage de Pandora, formou o Tempus Fugit com o Bernard e eu tive que procurar um nome novo para o CD...



ProgBrasil: A exploração de recursos multimídias em cds é muito pouco utilizada, algo que pode ser uma ferramenta na integração com o público. Há alguma outra explicação, além da capacidade de dados, para a pouca utilização destes recursos pelos artistas em geral?


Alexl: Não tem nada a ver com a capacidade do CD, que é mais do que o suficiente. Tem a ver com o que você falou antes: em tempos de mp3 e Internet em banda larga quem vai comprar um CD com um multimídia estático que é sempre o mesmo? Multimídia hoje tem de ser dinâmico, interativo e ser atualizado todo dia, se não for não interessa...



ProgBrasil: Há perspectivas concretas para conceber um segundo trabalho?


Alexl: Conceber significa "gravar"? Espero que sim. Eu já tenho material para uns 12 Cds mais ou menos. O que me falta é tempo e dinheiro para gravá-los...



ProgBrasil: Como você analisa o distanciamento da mídia para com o segmento progressivo, principalmente com relação aos novos artistas? Por que é tão complicado efetuar apresentações regularmente no Brasil? Ainda há espaço para a música de vanguarda no país?


Alexl: Acho que o gênero se desgastou. É um tipo de música que não dá pra comprar um teclado maravilhoso, uma guitarra importada e a melhor pedaleira do mundo e fazer qualquer coisa, tem que conhecer um pouco mais de música do que os três acordes básicos do rock (entre outros gêneros). O pior é que muita gente faz. Já cansei (literalmente) de assistir a trabalhos auto-denominados progressivos onde o sujeito mete a mão num patch viajante do teclado, joga umas luzes piscando no palco, se acha e se sente. Acho que esse tipo de pastiche queimou de vez o gênero progressivo na mídia. Até o Odair José virou cult, mas acho que ainda falta muito para o termo "progressivo" se redimir. Até a crítica n'O GLOBO do Antônio Carlos Miguel para meu CD dizia: "A influência do rock progressivo é nítida em "Triz" (Rock Symphony), mas o repertório e o bom instrumental mostram que o cantor, compositor e multiinstrumentista Alexl vai além do pastiche do
gênero em seu disco"...



ProgBrasil: Quais grupos e artistas progressivos nacionais, que estão na ativa, fazem por merecer uma atenção especial do público?


Alexl: Ih, cara, não sei, não estou por dentro do que tem aparecido de novo nessa área, principalmente no Brasil...



ProgBrasil: Se tivesse que escolher cinco discos para levar a uma ilha deserta, quais seriam?


Alexl: Cara, 5 discos é muito pouco para quem carrega 80Gb de música no bolso e ouve música 8h por dia... Vou tentar englobar várias coisas: "Triz" (é claro...), "Selling England By The Pound" (Genesis), "Ommadawn" (Mike Oldfield), o álbum de título gigantesco porém mais conhecido como "Marquis de Sade" (Lalo Schifrin) e "Everybody Loves a Happy Ending" (Tears For Fears)



ProgBrasil: Voltando ao "Triz", verifica-se uma generosa quantidade de músicos e colaboradores. Como ocorre este intercâmbio com artistas das mais diversas escolas e influências musicais na concepção de um trabalho autoral?


Alexl: Na concepção mesmo, hoje em dia há pouco intercâmbio. Mas preciso citar duas grandes exceções: a primeira é o Lôis com quem sempre foi um enorme prazer compor. É uma pessoa excepcionalmente criativa, inteligentíssima e de uma cultura assustadora. Apesar destes predicados é super generoso e sempre aberto a idéias e sugestões. Trabalhar com ele é como voltar a infância. A cada idéia nova a gente ri, se abraça e às vezes até pulamos de alegria como duas crianças. A segunda é meu sócio André Poyart, que participou com seu antigo grupo vocal em meu CD e fez os vocais e os baixos no show. É um excelente músico, sempre de boa vontade, capaz de reproduzir cada detalhe de articulação que eu decido experimentar e, sempre que sugere alguma coisa o resultado fica melhor. Fora isso, tenho contato com grandes instrumentistas mas estes não participam do meu processo de criação.



ProgBrasil: Em que pese sua experiência como multimúsico, há algum instrumento em particular que você tenha mais apreço ou prazer na execução?


Alexl: Eu tenho um monte de instrumentos, acabei de voltar da Índia com um sitar, um sarod, um santoor e um sarangi a tiracolo para desespero de minha mulher (procure no Youtube...) mas o instrumento com que me sinto mais confortável e onde acho que ainda posso buscar caminhos pouco explorados por mim é o baixo elétrico.



ProgBrasil: Há alguma faixa no "Triz" que seja sua preferida, ou que gostasse de enfatizar algum detalhe?


Alexl: Eu amo todas como um bom pai, mas, se for para ressaltar algum detalhe, repare na instrumental "Relatividade": ela foi toda composta com material extraído das outras faixas. Fica o desafio para seus leitores descobrirem...



ProgBrasil: Alexl, parabéns pela sua bela carreira, desejamos sempre o melhor e qual recado final deixaria para aqueles que pensam em se aventurar no universo progressivo?


Alexl: Esqueçam isso!!! Escutem muita música, de tudo quanto é tipo que vocês conseguirem, e toquem tudo o que gostarem. Não se prendam a gêneros porque não existe nenhum bom: o que existe são grandes artistas e trabalhos. Em todos os gêneros há os grandes mestres e os copiadores de clichés. Hoje tudo é muito mais fácil, quer se aventurar? Abra uma janelinha do Youtube ou dê um rolé (com bastante paciência...) pelo Myspace e saia escutando tudo o que aparecer pela frente. Depois, se não houver algum, você inventa um rótulo para o que você gostar...

Agora a resposta das influências... Eu já ouvi de tudo um muito nessa vida. Minha personalidade musical, como acho que acontece com a maioria do compositores, não se fia num ou outro artista. Às vezes você busca caminhos sem saber que outros já percorreram. Quando lancei meu CD, muitos no meio do progressivo me compararam com Gentle Giant por causa do uso de contraponto e do arranjos vocais. Já houve casos em que conhecia um artista ou trabalho e pensava: "Queria ter feito isso..." mas quando ouvi Gentle Giant pela primeira vez eu pensei: "Caramba! Parece com as coisas que eu faço!". No trabalho desta banda, de quem eu sou fã confesso, tem muito de música folclórica inglesa e doses absurdas de música renascentista e barroca, coisas que ouço desde a adolescência. Minha influência vocal talvez venha de Beatles, ABBA, 14 Bis ou de minha própria experiência como cantor e regente de coro, sei lá.

Umas vinte e tantas pessoas que não são do meio progressivo viram em meu trabalho uma grande influência do Clube da Esquina. Um chegou a especificar: "E é do Clube da Esquina II...". Agora veja que curioso: eu nunca tinha ouvido esses discos na minha vida e só conhecia uma ou outra música dessa galera (Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges etc) que tocou na rádio ou foi trilha de novela...

Descobri só recentemente na obra de Igor Stravinsky, Olivier Messiaen e Charles Ives semelhança com algumas das coisas com que tenho trabalhado nos últimos anos. Quando eu tiver oportunidade de gravar alguma coisa de meu repertório (digamos assim) "erudito", irão dizer que fui influenciado por esses autores...

Há porém alguns artistas que mudaram minha forma de enxergar música. O quanto isso fica aparente ou não no meu trabalho é outra questão. Uma listinha resumida incluiria o ABBA (já expliquei o porquê), Genesis, Frank Zappa, Steve Reich, Peter Gabriel, o Coro das Vozes Búlgaras, o grupo finlandês Värttinä, Brian Eno, Debussy, Messiaen e meu amigo Lôis Lancaster, entre outros.


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