ProgBrasil: Mestre Amyr, antes de tudo, a ProgBrasil sente-se honrada com esta oportunidade de entrevistá-lo. Como foi seu início com a música, quais foram suas motivações, ocorreu algum fato marcante para seu ingresso no estudo musical, ou foi algo que já nasceu contigo?
Amyr - A honra é toda minha!! Foi diretamente algo que nasceu comigo. Eu comecei a estudar violão clássico com sete anos. Aos 12 anos pintou um piano em casa... Comecei a tocá-lo fluentemente!!!Minha mãe que é professora de música e piano aposentada hoje, ouviu e ficou apavorada... Ela não compreendia como eu podia tocar sem ter nunca colocado as mãos num piano!!Levaram-me até para exorcizar literalmente!!
ProgBrasil: Quais são suas principais influências musicais?
Amyr - De cara juntamente estranho talvez aos amigos, Schubert,Bach,Vivaldi,Beethoven,Wagner,Beatles,Peter Hammill,Black Sabbath , The Monkees, Stones, Pink Floyd,Creedence e Led Zeppelin.Foram um pacote completo desde meus cinco anos de idade ouvindo.De certo Gentle Giant, Jethro Tull e todo rock compreendido entre 1964-1980 foi a base!
ProgBrasil: A paixão pela Literatura é algo latente na sua arte como fonte constante de inspiração, quais são os escritores que mais fazem sua cabeça?
Amyr - Jorge Luis Borges (nobel Argentina) o qual dediquei dois LPS meus(The Aleph e Ruínas Circulares) Ambos os contos dele.H.P. Lovecraft e Edgar Alan Poe são uma base profunda. Aleister Crowley, Giovanni Papinni, Guy de Maupassant, Milton, Dante, e Mestres Orientais como Osho,Gurdjieff, Prabhupada, Samael Aun Weor, Blavatsky,Yogananda, Yogakrishnanda,Vedas,Popol Vuh,Bardho Todhol,Livro dos Mortos Egípcio, etc. Leio muito,inclusive ciências metafísicas, psíquicas,musicais, etc.
ProgBrasil: Seu primeiro registro conhecido na cena rock ocorreu nos anos setenta com o grupo Spectro. Naquela ocasião, ainda jovem, você era a figura de liderança do grupo ou havia um mentor para aquelas maravilhas compostas pelo Spectro? Como foi o lançamento oficial em cd (devidamente esgotado) desta lendária obra pela Medusa Records? O que este resgate de suas origens musicais significou especialmente para você?
Amyr - Cara eu sempre fui o compositor e mentor das minhas obras...nasci assim!!Eu componho fácil, escrevo também fluentemente.O Spectro era minha banda especial,onde na época, éramos um páreo duro para outras bandas nacionais.Tocamos paralelamente com Made in Brazil, Burmah, Rock da Mortalha,etc. Uma época de sonhos, mística, colorida e maravilhosa. O resgate do Spectro foi longo...complicado achar a Máster de rolo Teac quatro canais, passar para cassete,depois para computador....lançamos 100 cópias numeradas pela Medusa.Foi ótimo!Ouvir este trampo é como
voltar ao passado com cheiro e tudo mais!!
ProgBrasil: O que de fato é o projeto Alpha III? Uma grupo? Um ideal? Música eletrônica? Música erudita? Música sinfônica? Rock Progressivo autêntico? Enfim, tudo isso numa congregação eclética?
Amyr - Alpha III é uma constelação no Cruzeiro do Sul imaginária (lá existe Alpha II), nome que surgiu em 1981.Seria música eletrônica erudita aliada ao rock. Nunca optei pelo termo progressivo. Fui enquadrado.No LP Mar De Cristal o qual não mixei nada,tinham músicas de teor progressivo e outras pop chatas new age que fiz. Para poder ter produtor.Como minha formação é erudita mesmo, tem muita coisa sinfônica no meio! Sou um excluso do meio erudito por tocar rock, e pouco aceito no rock normal pela minha formação acadêmica...No Brasil existem preconceitos de
porrada!!Uma tal de palavra "perfil" que usam para discriminar as artes!!
ProgBrasil: O primeiro registro oficial do Alpha III foi o LP "Mar de Cristal". Descreva o panorama daquela época, início dos anos oitenta. Como foi recebido este seu primeiro disco pelo público e crítica, assim como as opções sonoras escolhidas para delinear a textura sonora desta produção. "Mar de Cristal", ainda hoje, é considerado um disco raro no meio progressivo, por acaso há excessos de experimentalismos, algo que fugia muito do paladar musical mais pop como vertente musical para o rock dos anos oitenta?
Amyr - Mar de Cristal é o mar que aparece no Apocalypse ,e as letras deste LP são muito boas.Não gosto de metade das faixas musicalmente falando!! A foto da capa fui eu que bati em Minas num ranchinho de meu pai.Sim, o LP vendeu de cara para Alemanha umas 800 cópias.Quem curtia progressivo achava ruim as outras faixas pop, e vice-versa.Tem muito mini ?moog satélite,korg poly-61 e órgão farfisa que foram os que usei em massa neste LP.Fiz todos os baixos no moog também. O que ferrou foram os vocais que não foram mixados e estouram em momentos. Se você. ouvir com calma vai perceber a influência de Hammill ali...Vocais dobrados, trêmulos dramáticos, mas tudo em português. Remixei este álbum a partir de um LP e está no pacote. de 10!!Ficou muito melhor agora!!
ProgBrasil: Os dois trabalhos subsequentes do Alpha III também são bem difíceis de encontrar: "Sombras" e "Agartha". Descreva sua percepção acerca destes discos, quais as motivações, assim como a sonoridade e estilo dos mesmos.
Amyr - Sombras foi a obra derradeira,mas mal gravada (4 canais num rolo Teac) porque fiz a vontade o que queria.A capa é linda(desenho do Oswaldo Vasconcellos). É uma continuação da visão apocalíptica de Mar De Cristal.Sombras teve 2 anos de ensaio com Beltrame e Furlan (batera e baixo respectivamente)Neste ínterim tocamos em São Paulo com sucesso de crítica no MASP. no Centro Cultural Vergueiro, no Jabaquara,programas de T.V. etc. foi o melhor momento do Alpha III. Agartha fiz a gravação em 5 horas direto num PSR-70 Yamaha+ um Sy-2 synthesizer (na época um luxo)um moog satélite e um órgão farfisa. Usei meu conhecimento total de música dodecafônica. Nada havia neste estilo.Aliás eu toquei de primeira. O pessoal estranhou.Mas no Japão vendeu bastante e no México foi considerado obra prima. A capa é outra obra de arte!
ProgBrasil: Já nos anos 90, o Alpha III iniciou uma parceria com o selo niteroiense Rock Symphony para o lançamento de diversas obras. Como foi esta parceria?
Amyr - Numa noite o Leonardo Nahoum me ligou e queria gravar o The Aleph (LP) em CD pela Rock Symphony...fui um dos primeiros músicos a gravar lá!! Adorei a idéia.Depois pintaram outras ofertas para outros discos, sempre dele.E assim foi....No RARF fiquei sabendo pelo pessoal amigo dele que o ALPHA III (CDS) vendiam bem.!!fiquei muito contente com isto. Uma pena que esta crise imbecil tenha dado um ponto mortal nos CDS!
ProgBrasil: O Alpha III também foi lançado no exterior pela respeitada gravadora italiana Mellow Records. Quais foram as obras lançadas pela Mellow? Estes lançamentos possibilitaram uma maior penetração internacional de fato? Como foi a percepção da crítica internacional?
Amyr - Bem, acho que meu destino sempre foi ser pioneiro e pobre...no sentido que as portas se abrem , e você. tem que desmatar.A parte monetária nunca é compatível !! Fui o único músico brasileiro a ser convidado pra gravar na Mellow. No momento não sei se tem mais alguém.Um dia recebi uma carta da Itália de repente, de um fã declarado do meu trabalho...Era o Mauro Moroni que queria lançar CDS meus lá! O Alpha III já tinha um nome internacional ótimo em centenas de revistas do mundo todo antes dos CDS italianos. Daí melhorou mais ainda. Nunca tive criticas negativas ...sempre foram boas ,se considerando as dificuldades, falta de grana, etc. No Brasil, quando as criticas eram negativas(raras) falavam sempre da qualidade da gravação...nunca das músicas...O que era realmente verdade em certos
discos.
ProgBrasil: É verdade que você já foi considerado o melhor tecladista do ano por algum meio de comunicação internacional relacionado ao rock progressivo?
Amyr - Sim.Ouve uma votação internacional na Latvia, Escandinávia,no Green Dolphin anual (não lembro o ano) e fui considerado melhor tecladista e melhor projeto...o que me impressionou era que eu estava dois pontos a frente de Rick Wakeman junto com Keith Emerson e Anthony Banks!!!Não acreditei!! O Alpha III nas criticas da Itália foi
considerado o projeto mais importante da América Latina. O próprio Mauro Moroni dizia nos seus panfletos da loja que o Projeto era o melhor, mas infelizmente desconhecido das massas.Depois vieram prêmios com Ruínas Circulares(na Marquee o Alpha III aparece em destaque entre Gentle Giant e E,L&P) de capa e música.O Seven Spheres ganhou como melhor álbum de teclados no Canadá numa radio FM.O The Aleph voltou a conquistar o público progressivo japonês.Recebi uma carta de Anthony Phillips(Genesis) dizendo que ele era fã do LP The Aleph e que adorou os pianos!! Depois no Brasil tive muitas criticas sobre meu virtuosismo de teclados em revistas de rock...tenho bastante coisa aqui ainda!!Muito legal!!
ProgBrasil: Sabemos que além da música, você também é um artista e estudioso da arte plástica. Como foi receber uma citação na obra do mestre Roger Dean? Se pedíssemos para que você citasse uma única capa que fosse marcante para ti dentre os seus álbuns, qual seria e por quê?
Amyr - Bem, amigo,receber uma citação fotografada como uma das 10 melhores capas do mundo de 1988 no livro de Roger Dean foi extasiante!!mais ainda para o desenhista Oswaldo!! Todos ficamos muito alegres..Ainda mais ,novamente ,o Alpha III é a única banda do Brasil e ter sacramentado o trampo lá!!!Levamos o nome do Brasil para fronteiras distantes amigo!!Com suor, sem grana, na base da raça e dedos mesmo!!! Bem,se for capa do ALPHA III a mais bela é o AGARTHA para mim.De Roger Dean o Tales from the Topographic Oceans do Yes !!
ProgBrasil: Na sua vasta e prodigiosa carreira, ocorreram encontros, gravações, convivências e shows com diversos músicos, através das mais diversas formações do Alpha III e dos seus projetos paralelos. Há algum(ns) que você gostaria de citar em especial?
Amyr - Sim, foram muitos encontros e produções.Bem, Wejah de S.P. o qual fui engenheiro de som com Moises Leite,programei os synths, e toquei o único piano acústico de introdução numa música do álbum da Faunus, Renascença. O Djam karet foi uma banda que eu descobri sozinho cara!!!Fiz contato com o líder Chuck Oken Jr. e lancei o álbum metade pelo selo Alpha III, metade pela Faunus.posteriormente a banda é um sucesso hoje!! O álbum era o The Ritual Continues(estava num cassete!!!). Depois através do holandês Hans Vissers, consegui a masterização de um CD que estava preso eletronicamente num DAT ,pelo engenheiro de som do Klaus Schulze, Tobias Sudoff !!É o inédito
Grimorium Verum que está entre os 10 CDS que ofereci ao pessoal inéditos recentemente na Progbrasil. Tive contato com Kit Watkins (Camel), com Steve Roach, com Yanni antes de ele ser figurão!!!trocamos CDS !!Acredita?? No Brasil toquei nos programas de T.V. Panorama e Metrópolis (TV Cultura). Recebi convite uma vez para ir ao Silvio Santos...recusei...não ia dar pé!! E também para fazer arranjos na dupla Xitãozinho e Xororó...quando. eles estavam começando aqui em Campinas...ai meu Deus..;..totalmente fora de contexto!! E inúmeras outras coisas ...Uma legal foi ter tocado com o Burmah (Argentina) que eram alguns dos caras da banda El Reloj., na Concha Acústica de Campinas
em meados de 76.
ProgBrasil: Ainda que relacionado intimamente ao classic rock e também ao eletrônico, você possui recentes participações em projetos de metal, fale um pouco sobre sua paixão e projetos nesta vertente tão aclamada do rock.
Amyr - Bem, até no Hellish War eu toquei (speed metal) e gravei a demo do primeiro LP.Fiz shows com eles também. Tive bandas como Acron (oficialmente lançado aqui e distribuído pela Musea) e Saint Brandan.Eu adoro black metal, dark metal, gothic metal, dark wave e hard rock de certo!!Sempre toquei e cantei.Então esta dentro do sangue mesmo!!
ProgBrasil: Além de sua atividade como compositor e produtor em sua vasta carreira musical, sabe-se de sua atuação relacionada à música como forma de tratamento terapêutico. Descreva-nos esta atividade e sua importância para a sociedade.
Amyr - Bem ,eu acabei me aprofundando em psicanálise integral (Dr.Noberto Keppe)e estudei medicina psicossomática.Mas trabalho com terapia alternativa na musicoterapia. A base de Jung, Freud,Menninger,Keppe, etc. está nos meus estudos.Dou palestras sobre Yoga e estados alterados de consciência através da música.Fiz parte da Gnose,compus 12 fitas cassete para a Gnose da Espanha,etc. Também fui monge bhakti yoga da escola védica de Sri Prabhupada nos
anos 70. Dai meu trabalho ter toda uma base metafísica e filosófica eu adorar George Harrison!!
ProgBrasil: Nos dias atuais é muito complicado obter investimento para produção de discos, ainda assim sabemos da existência de um dvd independente do Alpha III, por sinal muito interessante. A participação das dançarinas do espaço Lince Negro embeleza e possibilita ares teatrais conectada à dramaticidade das performances. Como funciona o
processo de misturar música e encenação, com equilíbrio para que uma arte não sobrepuje a outra?
Amyr - Não é difícil.Eu já havia trabalhado com dançarinas de ballet Clássico da Academia da Juliana Ommati em Campinas.Apresentamos um ballet(não filmado !)chamado Dança dos Planetas que foi apresentado no Hotel Holliday Inn e no Teatro Castro Mendes de Campinas.Fiz uma ópera que foi encenada com o Alpha III + duas cantoras de ópera internacionais nos anos 80 (Vera Pessagno e Suzana Cabral). Se chamava Nébula.Os dois shows eu toquei com banda e piano solo também. Este pessoal é disciplinado.Eu sou chato pra ensaio...então fica um clima sério...daí a coisa flui.Mas eu não sou egóico ou narcisista.
ProgBrasil: O Alpha III foi considerado o grande destaque do RARF 2008 em Niterói, numa apresentação exaltada por todos os presentes. Como foi a experiência de se apresentar pela primeira vez ao público carioca?
Amyr - Foi maravilhosa.Apesar de no dia eu estar com tonturas e dor de cabeça, eu consegui tocar legal.A plateia e a vibração foi muito relevante,uma recepção rara e inesquecível.Gostaria de ter tocado o dobro, de ter tocado piano,de ter tocado Rick Van Der Linden e Keith Emerson!!mas eu tive também um problema com o baterista oficial do Alpha III Victor Marcellus na hora de viajar ao Rio.Desta forma foi convocado em cima da hora o baterista (excelente por sinal) do Lumina. Ai decidimos partir para o que fazemos melhor: improvisos em cima de alguns temas dos CDS,e deixar o som correr solto!!Foi o que aconteceu!!!Lindo!!
ProgBrasil: Se tivesse que escolher cinco discos para levar a uma ilha deserta, quais seriam?
Amyr - Bem, uma pergunta difícil!!tem milhares de coisas lindas!!!Mas va lá!!
The Lamb Lies Down on Broadway (Genesis)
Godbluff (Van Der Graaf Generator)
Black Sabbath (primeiro)
Led Zeppelin III
Beatles (Abbey Road)
ProgBrasil: Quais os grupos e artistas nacionais progressivos, que estão na ativa, merecem atenção especial?
Amyr - Bem, tem um pessoal na cena que são de primeira. Quaterna Réquiem, Apocalypse, Banda do Sol, Tempus Fugit, e muitos outros músicos que no momento estão entabulando projetos, etc. e outros os quais não me lembro no momento!!Na
gravadora/cast da Rock Symphony há um grande exemplo disto!! Mas tem muita gente boa sim!!
ProgBrasil: Como foi a parceria com Edgar Franco, aclamado escritor de HQs, na concepção de trabalhos visionários?
Amyr - Cara, o Edgar é uma figura ímpar na cena de capas e som!!O cara para mim seria um dos maiores desenhistas atuais do Mundo!!Sem exageros!!Uma mente privilegiada!! Aliás participei eu e o colega Diniz de um novo CD dele que saiu pela Legatus/Suiça numa faixa ótima!!Breve divulgarei à todos!! Aproveitando o momento,esperando que ele não fique bravo pela pré divulgação, estou com um trabalho já gravado em conjunto com o Alexandre Maraslis!!mas é surpresa...uma linda surpresa que não sabemos ainda se vai vingar em CD ou LP ou em ambas!!!
ProgBrasil: Amyr, parabéns pela sua bela carreira, desejamos sempre o melhor e qual recado final deixaria para aqueles que pensam em se aventurar no universo progressivo?
Amyr - Grato de coração à todos e à você. Gibran.Em especial todo mundo já sabe minha visão apócrifa e revolucionária a respeito do Brasil e das artes. Toco há 40 anos...então há uma larga experiência nisto tudo. Mas arte vem do coração.E coração não pode ser comercializado.O rock progressivo deve e só pode ser feito sem intentos comerciais,vindo diretamente da alma, da satisfação de fazer algo relevante e belo! A partir do momento em que se quer vender música como tomates, a coisa estraga. Esta música em especial é elitizada não monetariamente, mas intelectual e espiritualmente.Nunca atingirá as massas.Então todo aquele que quiser entrar no progressivo, deve ter em mente que está entrando num Mosteiro!!!
Namastê!!
abraços à todos e muito grato!!