Artigos e Documentários

Genesis Plays Jackson - enfim, o lançamento oficial (2009-01-01)

Marcello Rothery




Há alguns anos, poucos meses após o lançamento da fantástica caixa Genesis Archives 1 (uma caixa de 4 cds repleta de material inédito ou raro da fase Gabriel do grupo), estourou uma bomba no mundo progressivo : existiam mais músicas inéditas, no período em que Anthony Phillips estava na banda.

Isso poucos meses após o lançamento da caixa, que continha uma versão ao vivo completa do álbum The Lamb Lies Down on Broadway, versões ao vivo de outros clássicos do grupo, e quase 20 músicas inéditas, incluindo demos ainda dos anos 60. A caixa teve espaço até para as pérolas She's Beautiful, Try a Little Sadness e Patricia, famosas de nome por constarem na primeiríssima demo de 1967 do ainda embrionário grupo. Parecia impossível imaginar que ainda havia material inédito relevante.

Pois essa impressão foi desfeita com a notícia de que o Genesis, na virada de 1969 para 1970, teria sido contactado por um produtor da BBC, que estava montando um documentário sobre o pintor Mick Jackson. Esse produtor convidou o Genesis para participar do documentário, e a banda compôs e registrou nos estúdios da BBC 4 músicas inéditas, baseadas na obra de Jackson. O projeto, porém, não foi adiante, e as fitas foram arquivadas, e permaneceram esquecidas durante décadas. E assim provavelmente permaneceriam para sempre se, não se sabe ao certo como, não tivessem ido parar nas mãos de um colecionador, que resolveu levá-las a leilão, e para conseguir seu objetivo, passou trechos de 20 segundos de cada música para mp3, e espalhou-as, junto com a notícia, pela internet.

O estrago estava feito. Os pequenos trechos rodaram o mundo virtual rapidamente, e chamaram a atenção dos próprios membros do Genesis. Que conseguiram pôr as mãos no material. Que só teria seu lançamento oficial em 2008, na caixa Genesis Box Set 1970-1975. Até então, o resto do mundo só teve acesso aos minúsculos trechos de 20 segundos de cada canção.

Agora, com a caixa no mercado, vem a dúvida : vale a pena investir a fortuna que ela custa ? Porque, no final das contas, em termos de músicas inéditas mesmo, tudo que ela tem são exatamente as 4 obras do projeto Genesis Plays Jackson.

Esperamos que este pequeno artigo ajude a responder esta pergunta. As (enfim lançadas) músicas trazem uma boa e duas más notícias. As más são que elas pequenas (a maior delas mal passa dos 4 minutos de duração), e uma delas parece estar incompleta. Porém, a boa é que, a despeito da curta duração, são peças brilhantes, verdadeiros tesouros outrura perdidos daquela que foi, talvez, a fase mais importante da carreira da banda : a virada do estilo confuso de From Genesis to Revelation para o maravilhoso progressivo sinfônico que apareceria em Trespass, e dali, evoluiria até transformar a banda no monstro sagrado que é hoje.

A primeira música se chama Provocation, e inicia com o tema que, posteriormente, seria utilizado como tema principal de The Fountain of Salmacis, porém com letra e melodia vocal diferentes (ela é cantada durante o crescendo de mellotron). Depois, muda para um tema quebrado comandado em órgão hammond, desembocando em um tema também conhecido, que seria usado pela banda na parte final de Looking For Someone. Porém, aqui, há uma parte cantada em cima desse tema. De resto, tudo muito semelhante, inclusive o solo de guitarra de Phillips está iguazinho.

A segunda se chama Frustration começa com um forte piano que, em pouco mais de 10 segundos, se transforma no lindo e famoso tema central usado anos depois em Anyway. Apenas a letra é totalmente diferente, mas o restante é igual, inclusive a linda melodia vocal. No segundo verso, ao fundo, pode-se ouvir um discreto solo de guitarra de Phillips. Até que, por volta dos 2 minutos, vejam só : entra um tema usado pela banda lá no passado, em 1968, na música Hair On The Arms And Legs (que também permaneceria décadas inédita, sendo lançada apenas nos anos 90, como faixa 17 do cd 4 da caixa Genesis Archives 1), inclusive com a mesma letra. A partir daí, a melodia muda novamente, para dois temas totalmente inéditos, onde se sobressaem a flauta de Gabriel e o órgão de Banks, no estilo instrumental muito próximo ao do álbum Trespass.

As duas músicas restantes são instrumentais. A terceira, Manipulation, é toda construída em cima dos temas que seriam usados mais tarde no clássico The Musical Box. A parte inicial de 3 violões, aqui, tem 2 violões e o característico dulcimer de Phillips, e ainda tem passagens de hammond. Entra a primeira parte mais rápida a seguir, só que com a característica levada de bateria de John Mayhew, mais contida, e sem solo de guitarra. O trecho a seguir (que ficaria conhecido como Old King Cole), aqui é comandado por uma incursão muito bonita do órgão de Banks, além de ter, ao fundo, o famoso coral de 5 vozes que a banda tanto usou em Trespass.

A música final, Resignation, é a única totalmente inédita. Sua parte inicial tem a cara de Anthony Phillips : dois violões dedilhando melodias eruditas (no estilo das partes mais acústicas de Trespass, e com também alguma coisa que remete a The Geese and the Ghost), com a flauta de Gabriel dando um bonito solo em cima, e o órgão de Banks e a bateria de Mayhew ao fundo. Após 1 pausa, entra uma nova melodia, onde parece haver desta vez um dulcimer ao fundo, além do órgão dando um solo muito discreto e bonito. Até que o órgão toma a frente num riff mais pesado, com a bateria acompanhando. Volta a delicada melodia, apenas com violões e a flauta de Gabriel solando bem melódica. E depois, volta o riff forte de hammond com marcação de bateria, que encerra a música de forma meio abrupta, dando a impressão (não sei se verdadeira) de que ela não terminaria realmente aqui, e que talvez haja algum trecho adicional faltando.

Conclusão : em menos de 15 minutos, temos mais um tesouro nas mãos. Um retrato do Genesis em franca evolução, no comecinho de 1970, começando a criar o som que se tornaria talvez a maior referência em todo o rock progressivo mundial.


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