Artigos e Documentários

O Movimento Progressivo Alemão - Parte 1 (2009-11-15)

Claudio Fonzi


O movimento Progressivo na Alemanha foi (e ainda é) um dos mais fortes do mundo e, provavelmente, o mais abrangente, pois dali surgiram grupos e artistas com as mais variadas influências, o que o tornou um dos mais característicos do gênero. Assim, podemos observar grupos de pura música experimental, baseada nos princípios do atonalismo, até outros fortemente melódicos, baseados nas escolas eruditas tradicionais; desde música totalmente eletrônica, direcionada para uma sociedade futurista, até música essencialmente acústica, baseada nas lendas e tradições folclóricas do passado. Essa admirável diversidade pode ser comprovada ao observarmos a incrível quantidade de artistas que gravaram discos a partir de 1969 até os dias atuais. Surgiram também inúmeros selos com as mais variadas especializações, fato também ocorrente nos dias de hoje. Para que possamos compreender um pouco melhor as razões que possibilitaram que tais fatos acontecessem, devemos retornar à história recente desse país.

Apesar de possuir dimensões insignificantes em âmbito mundial (cerca de 0,00007% da superfície terrestre e 0,02% de sua população), a Alemanha foi o palco dos dois mais importantes e avassaladores acontecimentos sociais dos últimos séculos. Tais conflitos receberam o nome de Primeira e Segunda Guerra Mundiais, sendo que esta última, particularmente, foi a de maiores conseqüências, pois gerou toda uma série de profundas modificações nas estruturas políticas e econômicas do planeta. Ocorrida entre os anos de 1938 e 1945, esta guerra foi terrivelmente marcante para os alemães e pelas mais trágicas razões:

> arrasou completamente suas cidades, o que provocou uma diminuição considerável do número de habitantes e, consequentemente, na sua mão de obra trabalhadora;

>suas fábricas, indústrias e estabelecimentos comerciais foram em grande parte danificados ou mesmo destruídos;

>provocou a divisão do país em dois novos Estados, e que, apesar de possuírem todas as características de um único povo, passaram a viver totalmente isolados entre si e em regimes político-econômicos completamente diferentes.

Com todos esses fatores, o esperado seria que ocorresse um período de tempo bastante grande para que o país se reerguesse. O que se deu, no entanto, foi que, dotados de uma admirável estrutura emocional, todos os seus habitantes se dedicaram arduamente em prol desse trabalho de reconstrução, o que proporcionou que, em pouquíssimos anos, seus país (no caso, a Alemanha Ocidental, que foi quem manteve os regimes democrático e capitalista) retornasse ao seu posto entre as mais desenvolvidas nações da terra. Apesar disto, seria absurdo imaginar que acontecimentos tão trágicos e profundos não fossem deixar seqüelas, mas tais problemas só se tornaram visíveis mais de 20 anos depois.

Por volta de 1965, a primeira geração pós-guerra abandonava sua adolescência e entrava na fase adulta. Esta geração nasceu e entrava na fase adulta. Esta geração nasceu e cresceu cercada de inseguranças e temores em relação a um novo conflito, o que gerou uma profunda e quase insuportável desilusão perante a vida. Com o surgimento, na Inglaterra e EUA, dos movimentos jovens dedicados a uma nova música (o nosso bom e velho Rock'n'roll), a uma nova cultura (denominada Contracultura) e a um novo modo de vida (os movimentos Hippies e do Flower Power de conscientização política, ecológica e espiritual), a juventude germânica absorveu essas novidades de maneira extraordinária. A recepção dessas idéias, porém, não se deu de maneira completa, devida a já comentada desilusão com a própria vida sentida por aqueles jovens. A absorção daquelas idéias, deu-se então, fundamentalmente, sob a forma de duas fugas:

>a primeira, absolutamente positiva, aconteceu com uma dedicação impressionante, até mesmo inacreditável, à música: surgiram então uma infinidade de grupos musicais de todos os estilos possíveis e imagináveis;

> a segunda fuga, contudo, deu-se de uma maneira absolutamente negativa, com um mergulho inconsciente e desenfreado no mundo das drogas (de todos os tipos, mas com triste destaque das pesadas, como as anfetaminas, os barbitúricos e a - nada heróica - heroína). Apesar desse grave problema, no entanto, a força de vontade desse povo novamente superou a tudo, e, embora ainda aconteçam muitos casos (como em todos os países) sua proporção diminuiu consideravelmente.

Retornando então ao nosso verdadeiro assunto, observemos como realmente seria natural que os jovens alemães se encantassem com as novas tendências musicais. Naquela época surgiram estilos dos mais variados, mas havia um muito especial que era um estilo que procurava aliar a energia e a instrumentação do rock com tudo mais que pudesse existir dentro daquele universo infinito delimitado por uma série de sete conhecidas notas musicais; era um estilo cujos seguidores tinham, acima de tudo, prazer em criar, em experimentar, em estudar, ou, mais simplesmente, em tocar e cantar. Este estilo, constituído por uma infinidade de sub-estilos, foi definido como Rock Progressivo, ou Música Progressiva, como queiram. Assim, os alemães, com sua extraordinária tradição musical (vocês lembram de uns "caras" chamados Johann Sebastian Bach, ou Ludwig van Beethoven, ou Richard Wagner, ou Johannes Brahms, só para citar os mais famosos?, não poderiam mesmo ficar de fora. Além disso, os alemães sempre foram mestres em cultura geral e em todas as formas de experimentação. Ali nasceram toda uma série de cientistas (Einstein, Hertz e Roentgen - física; Bunsen e Liebig - química; Koch, Ehrlich e Eberth - medicina; Schwann e Schaudinn - biologia; Daimler - engenharia; Kepler - astronomia; Humboldt - geografia, etc.), filósofos (Marx, Nietzche, Schopenhauer, Engels, Kant), escritores e poetas (Hesse, Goethe, Schiller, Novalis, Brecht).

Dessa forma, foram surgindo os grupos musicais que, embora em sua maioria, tenham começado copiando os mestres ingleses e americanos, logo foram assumindo identidade própria: como exemplos estão os grupos TANGERINE DREAM (formado em 1967, como banda de rock'n'roll) e o ELOY (em 1969, como banda de Hard, estilo BLACK SABBATH e DEEP PURPLE).

Com o passar do tempo e o surgimento de novas bandas (AMON DÜÜL, em 1967, BIRTH CONTROL, BROSELMACHINE, CAN, GURU GURU e MESSAGE, em 1968, e ASH RA TEMPEL, GILA, KLUSTER, MYTHOS, POPOL VUH, etc, em 1969) foram sendo criados diversos selos especializados. O mais importante, embora não tão famoso, foi o Metronome, responsável pelos primeiríssimos lançamentos do rock legitimamente alemão ("Psychedelic Underground" do AMON DÜÜL, e "Birth Control" do grupo homônimo, ambos de 1969). Sua importância foi fundamental também pelo fato de que ali surgiram dois selos subsidiários que se tornaram os mais famosos da Alemanha: os lendários Ohr e Brain. O 1º tornou-se verdadeiramente mítico, devido à grande raridade que se tornaram seus lançamentos, pois as tiragens eram limitadas em virtude do extremo experimentalismo das bandas apresentadas (TANGERINE DREAM, ANNEXUS QUAM, AMON DÜÜL, MYTHOS, GURU GURU, FLOH DE COLOGNE, ASH RA TEMPEL, etc). O 2º tornou-se famoso pela incrível quantidade (e qualidade) dos títulos, englobando todas as tendências do Progressivo (NOVALIS, SATIN WHALE, GROBSCHNITT, POPOL VUH, NEU, JANE, HARMONIA, SCORPIONS, EMBRYO, CLUSTER, etc.). Outros selos de grande importância foram:

- Pilz (o famoso selo do cogumelo): lançou entre outros, as pérolas Folk-Progressivas "Traum" do HOLDERLIN, "Saat" do EMTIDI e Same do BROSELMACHINE.
- Kosmiche Musik: outra subsidiária da Metronome, e, como o nome diz, era especializada em "música cósmica", como os grupos COSMIC JOKERS, MYTHOS, POPOL VUH, ASH RA TEMPEL e WALLENSTEIN.
- Bellaphon: este ficou famoso em nosso país pela fantástica série lançada pelo selo Sábado Som [que era um programa musical apresentado por Nelson Mota, na TV Globo, nos anos 70; após algum tempo, este programa passou a se chamar Rock Concert]; destaque para os grupos NEKTAR, MESSAGE e JERONIMO. (alguém sabe me dizer se a Bacillus Records é subsidiária da Bellaphon ou vice-versa?)
- Sky: especializado em música eletrônica, lançou inúmeros títulos nesse estilo (K. Schnitzler, Roedelius, Michael Rother, etc.), mas também lançou outros clássicos do Progressivo tradicional, como RAMSES, STREETMARK e FAITHFUL BREATH.
1) não devemos nos esquecer da BASF, que atuou como gravadora (casa discográfica / selo fonográfico) nos anos 70. A partir da década seguinte, a BASF passou a ser conhecida como fabricante de fitas K-7 (cassete) VHS (vídeo) e de áudio. A BASF, localizada na cidade alemã de Ludwighafen, mudou de nome. Agora, a empresa se chama EMTEC.
2) bandas estrangeiras também lançaram discos por selos alemães. Um grande exemplo é o grupo húngaro OMEGA - que muitos acham ser alemão -, que gravou pela Bellaphon.)

Recentemente têm surgido excelentes selos para lançamento em CD e como destaque temos:
- Second Battle (o selo do dinossauro tirado da capa do álbum do 2066 AND THEN): especializada em mega-raridades do Hard-Prog, como ELOY (same), 2066 AND THEN, ZARATHUSTRA, TOMORROW'S GIFT.
- Ohrwaschl: outro especializado em raridades underground como MURPHY BLEND, OUT OF FOCUS, ARMAGGEDON, IHRE KINDER, WALPURGIS, GÄA, SUBJECT ESQ, McCHURCH SOUNDROOM, KAPUTTER HAMSTER, NOSFERATU, DIES IRAE, HANUMAN, etc, todos da série "Past Archive". Possui também a série "New Rock", com artistas como HARANT, FANTASY FACTORY, WIDE SCOPE, etc.
- Germanophon: embora a legalidade dos títulos seja bastante duvidosa, a qualidade é inquestionável. Destaque para SATIN WALE, GILA, CORNUCOPIA, EPITAPH, EULENSPYGEL, SIXTY NINE, OS MUNDI, THIRSTY MOON, JANE, GROBSCHNITT, HARMONIA, etc.
- WMMS: especializada em bandas dos anos 80 para cá, destacando-se ANYONE'S DAUGHTER, TSUNAMI, MERLIN, CRYSTAL MAZE, EPIDERMIS, SILENT LUCIDITY, IVANHOE, etc.
-Repertoire (o selo do galo, o qual foi possivelmente inspirado no mesmo animal que aparece na capa do disco "Jumbo", do GROBSCHNITT): mais importante selo independente alemão, curiosamente tem poucos títulos de artistas de seu país, a despeito de mais de 300 lançamentos de artistas europeus e americanos. Os principais são AMON DÜÜL II, LUCIFER'S FRIEND, ATLANTIS, FRUMPY, JANE, NOVALIS e o inédito "Zoning" do TANGERINE DREAM.

Existem ainda dois selos franceses que têm lançado inúmeros bons títulos: são a famosíssima Musea (REBEKKA, AMENOPHIS, NEUSCHWANSTEIN, TIBET, IVORY, etc) e a Spalax, com mais de 80 títulos de artistas alemães, entre eles POPOL VUH, AGITATION FREE, AMON DÜÜL, ANNEXUS QUAM, COSMIC JOKERS, WALLENSTEIN, MYTHOS, ASH RA TEMPEL, etc.


Fonte :Jornal Metamúsica


Progbrasil