Obra-prima, irretocável
  O resultado alcançado por esse segundo trabalho da banda carioca Tempus
 Fugit é esplendoroso e fica latente logo na abertura com uma música já
 considerada clássica na discografia progressiva brasileira, "Daydream".
 Impossível imaginar um nome mais propício para essa composição do André
 Mello, que apresenta solos de guitarras memoráveis e quebras rítmicas
 arrebatadoras, numa apologia que encontra ressonâncias em tempos
 oníricos, pois tanto nessa música quanto numa fantasia de nossos
 corações é possível deixar a mente vagar em busca do pleno
 contentamento.
 
 Há uma certa divisão por parte do público no que tange o melhor trabalho
 da banda, uma ala considera o primeiro e outro grupo na mesma proporção,
 considera ser esse segundo álbum superior. Faço parte do segundo grupo,
 porque em "The Dawn After The Storm" noto um amadurecimento musical por
 parte do Tempus Fugit, com as idéias mais delineadas e um escopo musical
 mais consistente e original. Ressalto que nesse trabalho a banda
 conseguiu ampliar seus horizontes sonoros, soltou de vez algumas
 amarras e muitas vezes é possível observar variações rítmicas que
 beiram improvisos, bem como destaques individuais não percebidos
 anteriormente, a maior prova disso está na grande participação e ênfase
 das guitarras. Se o que antes já era ótimo, aqui fica ainda melhor!
 
 A formação do grupo nessa ocasião era: André Mello – teclados e vocais,
 Ary Moura – bateria, Henrique Simões – guitarra e violão e André Luiz
 no baixo. Uma alteração significativa ocorreu com relação ao primeiro
 trabalho, a saída do carismático baixista Bernard, responsável por
 algumas composições no "Tales From A Forgotten World" e também que
 imprimia uma pegada similar à do Eloy, já que uma de suas grandes
 influências reside justamente no magnífico e único Klaus P. Matziol.
 Mesmo abandonando o Tempus Fugit, Bernard seguiu a sua carreira de
 designer produzindo inúmeras obras de arte e sendo muito requisitado no
 meio devido seu enorme talento e criatividade. Na outra ponta, seu
 substituto, André Luiz, mantém o alto nível com categoria
 
 Na segundo música, responsável por intitular a obra, temos uma mini
 suíte instrumental dividida em quatro partes marcadas por composições
 complexas e novamente uma dobradinha super inspirada – André
 Mello/Henrique Simões, capazes de criar acordes absolutamente
 melódicos. Os teclados produzem uma atmosfera apoteótica e muito
 sinfônica, ficando perceptível influências de Rick Wakeman e Peter
 Bardens, enquanto a guitarra executa diversos solos chorados em meio a
 dedilhados elaborados. A passagem que mais admiro é a derradeira,
 "Homeward", justamente por possuir um solo de teclado capaz de levar-me
 às lágrimas. Essa é a minha preferida do disco, ao lado de "Discover".
 
 "Never" é a primeira música cantada do álbum e de um lirismo capaz de
 agradar à primeira audição e também funciona como uma espécie de
 calmaria para o ritmo frenético das anteriores. Essa composição lembra
 os grandes momentos do Pendragon e se André Mello não possui a mesma
 técnica vocal de Nick Barret, seus teclados em nada deixam a desejar
 para os de Clive Nolan e em vários momentos é possível observar a sua
 grande desenvoltura na utilização de vários timbres e mesas. Na
 sequência a banda apresenta mais uma grande música, com um sonoro
 título em português - "Tocando Você" e uma guitarra para nenhum fã de
 Andy Latimer botar defeito. Henrique Simões mostra grande versatilidade
 na condução das guitarras, indo do solo mais romântico e chorado para
 movimentos mais bruscos e dramáticos, sem qualquer prejuízo ao
 andamento da harmonia musical do grupo. Verifica-se a mesma precisão
 também em "O Dom de Voar" (belíssima) e "The Sight". Na primeira temos
 a completa ausência da bateria e uma participação especial de Marco
 Aurêh nas flautas que casam perfeitamente com os violões de Simões e o
 piano do André, enquanto a segunda é de um sinfonismo comum às bandas
 setentistas. Tempus Fugit é essencialmente isso, um resgate do
 sinfonismo clássico, "The Sight" provavelmente possui o solo de
 guitarra mais belo de todo o álbum e os vocais aqui dão conta plena do
 recado e estão bem de acordo com o desenvolvimento musical proposto,
 vale destacar o baixo do André Luiz que se faz presente com muita
 personalidade em "The Sight".
 
 Tenho uma preocupação com relação ao novo trabalho do grupo, pois já se
 vão quase dez anos de distância para esse genial "The Dawn After The
 Storm" e o receio está relacionado à expectativa que o Tempus Fugit vem
 causando nos seus admiradores do mundo inteiro para o lançamento do
 álbum "Chessboard", quase uma tortura. Tenho a convicção que
 tratar-se-á de mais um belo exemplar da banda que será entregue no fim
 de 2007, porém se tal trabalho não mantiver o nível dos dois primeiros,
 será uma grande frustração devido o longo tempo de espera e convenhamos
 que os dois primeiros discos do Tempus Fugit foram acima da média,
 colocando a banda entre as melhores dos anos 90, sendo convidada para
 alguns festivais internacionais, tais como o Baja Prog, onde
 infelizmente não puderam comparecer por conta de problemas de ordem
 financeira e o Prog Fest, nesse sim, o grupo se apresentou e foi
 sucesso de vendas na ocasião do evento, ficando marcados por serem a
 primeira banda sulamericana a participar do festival. A banda também
 possui um público fiel na vizinha Argentina, onde tiveram a
 oportunidade de se apresentar e foram ovacionados pelos hermanos.
 
 "The Dawn After The Storm" ainda reserva a melhor surpresa para o final,
 "Discover" é o carro chefe desse trabalho, absolutamente contagiante e
 nessa observa-se grande influência do Yes, a principal fonte de
 inspiração do grupo, que tem algo dos ingleses até em seu nome. E
 convenhamos, mesmo possuindo arranjos bem distintos do Yes, a banda
 bebeu na melhor das fontes existentes no rock progressivo para extrair
 sua bela sonoridade. A introdução da música com o bandolim de Simões é
 um arraso, abrindo de forma comovente e com extrema sensibilidade para
 os teclados e vocais do André Mello. O desenvolvimento segue com a
 entrada de outro convidado especial, Fernando Sierpe colaborando nos
 backing vocals e com uma guinada inesperada para um ritmo intenso,
 essas variações abruptas remetem-me diretamente ao Yes, eram mestres
 nesse tipo de construção musical, one Howe começava na viola e depois
 Wakeman explodia tudo. Aqui o Tempus Fugit recria essa atmosfera com
 grande maestria e personalidade própria, onde na segunda metade da
 música em diante os teclados de André surgem de forma ímpia não
 deixando pedra sobre pedra num arroubo de euforia.
 
 Já tive o grande prazer de vê-los ao vivo e aguardo ansiosamente pelo
 novo trabalho e também por uma nova turnê, na minha escala de
 conceitos, considero o primeiro trabalho do Tempus Fugit com uma nota
 nove, esse segundo sobe mais meio ponto e se continuarmos nessa
 progressão, teremos a nota máxima para “Chessboard”! | 
           
						  
         
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