Aksak Maboul - Un Peu De L'Ame Des Bandits - Progbrasil

Aksak Maboul

Belgica




Titulo: Un Peu De L'Ame Des Bandits
Ano de Lançamento: 1979
Genero:
Label:
Numero de catalogo:

Revisto por Gibran Felippe em 20/09/09 Nota: 9.5

 

Obra-prima, irretocável

Obra-prima, irretocável.

Um dos grupos mais aclamados do movimento RIO, o belga Aksak Maboul abusou do diletantismo neste segundo trabalho. A concepção original em forma de duo, do disco de estréia, 'Onze Danses Pour Combattre La Migraine', foi alterada significativamente com a inclusão de um time de notáveis, onde o prazer de realizar sua própria música bate muito mais forte do que propriamente a necessidade de atender aos apelos comerciais da mídia, gravadoras e público.

'Un Peu De L'âme Des Bandits' é composto pelo fundador e multi-instrumentista Marc Hollander (a mente criativa do Aksak Maboul) - órgão, piano, clarinete, saxofone, xilofone e percussão, Michel Berckmans - contrabaixo e oboé, Denis Van Hecke - violoncelo, Catherine Jauniaux - voz, Frank Wuyts - teclados, Chris Cutler - bateria e Fred Frith - baixo e guitarra. Estas figuras foram os responsáveis por entregar uma música que a princípio pode parecer algo lunático, algo esquizofrênico, algo sem sentido, mas em audições acuradas se percebe que os ingredientes originais e criativos, bem como o primor técnico são a tônica do álbum, trabalho que definitivamente não deve ser consumido de qualquer forma, a qualquer modo e por ouvintes despreparados para o impacto de toda essa desconstrução musical.

Antes de analisarmos as músicas, vale ressaltar a presença sempre marcante dos eminentes músicos ingleses do movimento RIO, Fred Frith e Chris Cutler. Já na primeira faixa, 'A Modern Lesson', percebe-se a base de guitarra do mestre Frith, criando o pano de fundo necessário para as mais diversas piruetas dos outros integrantes. O atonalismo predomina, os vocais de Catherine Jauniaux beira o bizarro, confundindo-se com as notas de clarinete e sax. Atenção para o movimento final, provavelmente o único em que se percebe alguma melodia, entremeada com inúmeros efeitos sonoros do xilofone, piano, percussão e até espaço para uma máquina de pinball a banda permite. Mesmo com o sax de Hollander criando uma melodia interessante, o azougue de todo o grupo não permite sequer uma repetição da melodia por parte do saxofonista, dessa forma, a fuga completa do lugar comum fica consumada! Cartão de visitas melhor não há, a sonoridade desarmônica do primeiro número com a inclusão de um vocal sui generis, completamente fora dos padrões, causa o efeito necessário para prender a atenção dos ouvintes que apreciam o estilo do grupo até o fim da obra, principalmente porque o improvável toma forma. 'Palmiers En Pots' possui dois movimentos relacionados à cultura Argentina, a beleza do piano unida à melancolia do violino impressiona, a melodia aflora como poucas vezes observamos em bandas sinfônicas, logo fica perceptível o completo domínio dos músicos sobre a música, capazes de se aventurar em qualquer seara sonora, provando que a escolha musical pelo RIO é legitima, de fato aquilo que os instiga, o minimalismo autoral.

Após o momento de suavidade, o grupo emenda numa composição de Frith altamente nervosa, 'Geistige Nacht', com solos de sax absolutamente enlouquecedores a cargo do genial Marc Hollander. A bateria também merece destaque, quebrando com categoria impressionante o tempo inteiro. Denis Van Hecke dá o tom na arábica 'I Viaggi Formano La Gioventú', tanto pelos vocais quanto pelo violoncelo hipnótico típico da musicalidade do Egito e Oriente Médio, daquelas que costuma fazer a naja subir no cesto, mas aqui não há flauta, mas uma combinação do próprio violoncelo com o maravilhoso oboé de Michel Berckmans e o sintetizador de Wuyts, a percussão de Hollander também é bem interessante, vale ainda citar o coral feminino não creditado, ou provavelmente criado nos synths.

O maior gracejo do grupo chega na condução de 'Inoculating Rabies', faixa neurótica com uma base de punk rock conduzida por Van Hecke e Frith, no seu único minuto o grupo apresenta um certo deboche com essa cena musical que havia dominado o planeta na ocasião. Após esse interlúdio, o Aksak Maboul apresenta o melhor momento de sua discografia, a suíte 'Cinema', dividida em quatro movimentos completamente distintos, cada qual mais instigante que o outro. É possível traçar algumas similaridades dos belgas com outros nomes de peso no cenário RIO, notadamente Henry Cow, Univers Zero e Cós, mas ao ouvir a referida suíte, torna-se nítido que o grupo desenvolveu sua concepção de forma extremamente original e única. O primeiro trecho de 'Cinema' surge em meio a uma total abstração, a condução do contrabaixo e do sax tenor remetem aos clássicos filmes de suspense dos anos sessenta, tais como aqueles dirigidos pelo mestre Alfred Hitchcock, característica que alude ao título da suíte. A percussão de Chris Cutler é muito inspirada, assim como os mais diversos efeitos produzidos por Wuyts, os últimos dois minutos desta parte são de arrepiar, com um sincronismo bárbaro entre os mais variados instrumentos, lembrando a quebradeira e vibração do King Crimson, fase 'Islands'. O minimalismo continua no segundo movimento, em forma de música de câmara, a bateria descansa, enquanto o oboé, clarinete, sax e xilofone continuam conduzindo a pequena orquestra inusitada do Aksak Maboul. O terceiro movimento é o de maior destaque, com uma consistência na cozinha meio roqueira, em que Marc Hollander prova de fato ser uma fera, demonstrando grande habilidade, e acima de tudo sagacidade na condução de um leque farto de instrumentos: órgão, piano (belíssimo), clarinete, sax, xilofone, além da execução de todas as percussões constantes nesse movimento intitulado 'Azinou Crapules'. A curiosidade fica pela participação nos arranjos do seu companheiro no trabalho de estréia - Vincent Kenis.

A edição da Crammed Discs ainda traz um bônus contendo músicos da formação original, inclusive Vincent Kenis no baixo e a vocalista Véronique Vincet. A música 'Bosses De Crosses' é quase convencional perto do que se acaba de ouvir durante a execução do álbum. Número ao vivo que vale um pouco mais que a simples curiosidade. Não se pode deixar de citar o trabalho artístico da capa, extremamente bizarra e agressiva, provavelmente com essa capa o disco não deve ter sido muito bem aceito na hipócrita América! Melhor capa pra descrever uma obra de RIO é difícil, até nisso vemo-nos obrigados a aplaudir a audácia dos belgas.

'Un Peu De L'âme Des Bandits' impressiona por apresentar inúmeras facetas sem a menor coesão, atingindo o ápice da filosofia RIO, não por acaso trata-se de um dos mais incensados trabalhos do estilo, onde vários elementos antagônicos se chocam, desde o bizarro, obscuro, psicodélico, eletrônico, música de câmara, tango, jazz, blues, rock básico, punk, música árabe/oriental/étnica, progressivo, até as mais diversas referências Thelonious Monk, Robert Wyatt, Duke Ellington, Nino Rota, Eric Dolphy, Kraftwerk e Frederic Ravel.

Absolutamente essencial para se entender a evolução do RIO e fundamental para todos os admiradores do estilo!
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