O Terço - Criaturas da Noite - Progbrasil

O Terço

Brasil




Titulo: Criaturas da Noite
Ano de Lançamento: 1975
Genero:
Label:
Numero de catalogo:

Revisto por Gibran Felippe em 01/09/10 Nota: 10.0

 

Discoteca básica, fundamental

Discoteca básica, fundamental.

Esta obra é tida como o pináculo do rock progressivo brasileiro, responsável por encantar o público nacional e internacional, além de influenciar gerações nestes mais de trinta anos de sua concepção. Se o grupo O Terço já havia alcançado o interesse do público e respeito da crítica em seus dois primeiros álbuns, com o advento de 'Criaturas da Noite' passou a ingressar no seleto time de bandas lendárias nacionais, dividindo com Os Mutantes e Secos e Molhados, o posto de grupo mais importante da cena rock brasileira dos anos setenta.

Da formação original, apenas permaneceu para 'Criaturas da Noite'; Sérgio Hinds - guitarrista e vocalista, responsável por manter a chama do grupo acesa até os dias atuais, participando de inúmeras formações e de todas as fases pelas quais o grupo percorreu nestes quarenta anos de estrada. Além dele, uniu-se à banda os talentosos Sérgio Magrão - baixo e vocal, Luiz Moreno - bateria e vocal, além do sublime multinstrumentista Flávio Venturini - piano, órgão, sintetizador, viola e vocais. O trabalho ainda conta com as participações especialíssimas do saudoso Rogério Duprat nos arranjos orquestrais, Cesar de Mercês na percussão e vocais e Marisa Fossa também nos vocais. Há de se destacar a presença do Flávio, sua personalidade engrandeceu sobremaneira a musicalidade do O Terço, possibilitando um horizonte mais sinfônico em detrimento do forte psicodelismo de outrora, descortinando a originalidade das raízes rurais nacionais com a fusão do genuíno rock progressivo inglês, calcado principalmente no portentoso Yes.

A abertura do disco com 'Hey Amigo' tornou-se emblemática entre os fãs do grupo, o rife inicial levado pelo baixo de Magrão é como uma folha de celulóide pronta para entrar em combustão, criando a atmosfera perfeita para a apoteótica guitarra de Hinds e os vocais de todos os integrantes suplicando para que os amigos cantem com eles esta canção. O desenrolar da música pende para o hard rock clássico, ainda que pese a simplicidade da letra, Cesar de Mercês foi muito feliz em escolher uma forma direta de diálogo com o público, soa quase como um convite, afinal neste rock estamos todos juntos e perto de ser a unidade final! Após este arrasa quarteirão inicial, surge o que considero um dos melhores temas compostos em todos os tempos pelo O Terço, a deslumbrante 'Queimada', onde Venturini apresenta suas primeiras cartas, tanto na execução da viola, nos radiantes vocais, na letra e obviamente na ênfase melódica. Assim como o Yes, O Terço foi pioneiro em passar o recado de lástima pelo ataque à natureza, num retrato incipiente de consciência ecológica e conexão com a Terra, pois hoje entendemos o quanto mal as queimadas provocam na qualidade do ar que respiramos.

'Pano de Fundo' abre espaço para o talento de Sérgio Magrão, não só como compositor, mas principalmente pela ousada linha de baixo que leva durante toda a faixa, permanecendo sempre em primeiro plano. A sua desenvoltura e agilidade impressionam, provando ser um dos melhores baixistas do país, executando estruturas musicais complexas com extremo requinte. A sua performance continua em alta na instrumental 'Ponto Final', mas aqui o seu baixo ganha em sentimento, deixando a quebradeira de lado. O piano melancólico executando na segunda metade da música por Flávio Venturini é de uma emoção profunda, harmonizando perfeitamente com os singelos vocais de Marisa Fossa. Com o perdão do pleonasmo, 'Ponto Final' é um dos pontos fortes de 'Criaturas da Noite'!

Após estas quatro primeiras faixas, já é possível começar a entender porque este álbum através dos tempos, tornou-se a obra mais representativa do cenário progressivo nacional. Trabalho muito variado, alternando entre momentos hard e sinfônicos, permeados por baladas sublimes. O que para alguns pode soar como falta de coesão, por outro lado torna a obra extremamente agradável com esta ótima miscelânea criada pelo grupo com raro primor. Entretanto, no próximo número; 'Volte na Próxima Semana'; temos um mácula inevitável de ser citada: os vocais são pavorosos, a despeito do potente instrumental liderado pelas guitarras ser muito bom. De qualquer forma, esta breve faixa não chega a ferir a uniformidade e beleza da obra, até porque em seguida vem uma das mais conhecidas músicas do cancioneiro nacional, a mágica canção título com arranjos inspirados de Rogério Duprat. Difícil não entoar junto com Venturini a clássica frase - 'sou viajante querendo chegar antes dos raios de sol'.

'Jogo das Pedras' traz novamente a beleza rural, tanto na melodia, quanto no instrumental, de 'Queimada', linha característica do estilo violeiro de Flávio Venturini. Aqui temos um solo de guitarra muito inspirado por parte de Sérgio Hinds, criando uma fusão da força do rock com a suavidade dos violões realmente encantadora, provando o quão atraente é o uso dos violões nas camadas musicais do rock, quando bem conduzido, conforme se pode observar nesta obra, ficando simplesmente perfeito. Infelizmente, com a popularidade do metal nos anos oitenta, este instrumento ficou relegado a segundo plano, meio que envolvido num tolo preconceito relacionado ao cowntry, tamanha era a força das guitarras hiper plugadas dos grupos pesados de rock.

O Terço guardou para o final a melhor surpresa de 'Criaturas da Noite', a magnífica '1974', com suas diversas mudanças de andamento, solos de guitarra espetaculares, sintetizadores e piano a toda prova e um arranjo absolutamente devastador. Aos oito minutos, quando todos os instrumentos cessam, permanecendo apenas as camas de teclados e os vocais de Venturini num lamento de rasgar o coração, entende-se por completo a grandeza do significado de rock progressivo. A cozinha entrosada de Magrão e Moreno que em todo disco esteve muito bem, acabou por se superar nesta suíte, ambos estão definitivamente formidáveis. '1974' deixou de ser música faz tempo, pois se tornou um autêntico hino, destes que cabe à eternidade resguardar!
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