Marillion - Script For a Jester's Tear - Progbrasil

Marillion

Inglaterra
www.marillion.com




Titulo: Script For a Jester's Tear
Ano de Lançamento: 1983
Genero:
Label:
Numero de catalogo:

Revisto por Gibran Felippe em 09/09/07 Nota: 10.0

 

Discoteca básica, fundamental


"So here I am once more in the playground of the broken hearts..."

Aqui estamos tratando de um autêntico clássico do rock progressivo, com
todos os elementos pertinentes a essa definição – polêmico,
arrebatador, vigoroso, instigante, pioneiro e sobretudo corajoso. Temos
outros atributos: músicas bem elaboradas, longos solos de guitarra,
profusão de teclados, letras inspiradíssimas e um quinteto muito bem
entrosado com relação à sua proposta musical. Enfim, um divisor de
águas por motivos que ainda relataremos nessa resenha e teve a grande
capacidade de mexer com praticamente todo o público progressivo.
Provavelmente a maior virtude desse primeiro trabalho do Marillion está
no fato de ninguém permanecer alheio durante o seu lançamento: quer
gostem, quer odeiem, o recado chegou ao destino com êxito e a bem da
verdade é que a maioria se regozija com "Script For A Jester's Tear" em
sua aparelhagem de som e de preferência num volume generoso.

Tido com um dos pontos de partida para o movimento conhecido como neo
prog, ainda continua sendo um dos melhores do gênero, mesmo vinte e
cinco anos depois. Vou mais além, pois imagino ser essa jóia o melhor
trabalho da banda e um dos dez melhores álbuns de toda a década de
oitenta. Ao meu ver, item essencial em qualquer boa estante de cds,
aliás, todos os trabalhos com Fish são muito atraentes. Após sua saída,
infelizmente o Marillion seguiu ladeira abaixo e ficou extremamente
irregular. Isso é um pouco estranho, pois para muitos o Marillion se
assemelha à sonoridade do Genesis devido justamente à presença do
vocalista e a semelhança do seu timbre com o de Peter Gabriel. A sua
saída representou um distanciamento com relação à essa característica,
que muitas línguas maldosas resolveram intitular de clone genesiano,
logo, era de se esperar que a banda adquirisse mais consistência,
aproveitasse essa saída, adquirindo mais originalidade e vigor em sua
sonoridade e arranjo, mas de fato isso não ocorreu e o que realmente
interessa no Marillion, ao menos para a maioria, é de fato a fase Fish
iniciada por esse genial "Script For Jester's Tear".

O álbum traz uma das maiores formações do movimento neo: Derek Dick (o
popular Fish) nos vocais, Steve Rothery guitarras e violões, Peter
Trewavas no baixo, Mark Kelly teclados e fechando com Michael Pointer
na bateria. Logo na primeira música, percebemos o quão sentimental é a
guitarra de Rothery, combinando inteiramente com a emoção dramática
imposta por Fish, o solo final com os vocais ao fundo é extasiante,
grande movimento!

Não temos como abordar esse primeiro trabalho do Marillion e não citar
novamente o Genesis, mas fica a questão: a banda é um simples clone do
Genesis? Apesar da influência latente do medalhão setentista, diria que
o Marillion não se satisfez apenas recriando toda a atmosfera e climas
do Genesis, é fato que inúmeras bandas fizeram isso com relativo
sucesso no meio e surpreendente boa vendagem. Um caso muito particular
que posso citar é o do grupo Citizen Cain, essa sim, suga tudo e mais
um pouco do Genesis, chega a ser maçante em vários momentos, mas os
seguidores de Tony Banks e cia. não se importam e apreciam bastante
esses autênticos sequazes genesianos. No caso do Marillion, o que mais
se assemelha são os timbres de Fish, nos momentos mais suaves são
praticamente idênticos aos de Peter Gabriel, mesmo que a estrutura
sonora seja posta de forma bem mais moderna e nem um pouco datada, essa
semelhança vem a tona com muita força, de qualquer forma a sua
alternância entre sentimentalismo e agressividade também o aproxima de
forma muita apropriada a outro monstro – Peter Hammill, basta
anlisarmos duas músicas: "The Undercover Man" do Van Der Graaf
Generator e "Script For A Jester's Tear", as variações vocais em ambas
são muito próximas, iniciando-se de forma suave e melancólica, até
atingir o ápice da agressividade.

Fish é um caso a parte e merece uma atenção especial, está longe de
tratar a música com frieza. É um dos artistas mais expressivos e
sentimentais surgidos após os anos 70, passando-nos com extrema
capacidade toda a emoção que suas composições despertam, acima de tudo
um declamador de verdadeiras poesias. Praticamente um polígrafo capaz
de discorrer sobre diversos temas com muita propriedade e
interpretações convincentes, um mestre na arte da expressão vocal,
visual e gestual.

Nos anos oitenta o progressivo estava relegado a um segundo plano,
diante da explosão de outros gêneros. Nesse aspecto a importância do
lançamento dessa obra tornou-se ainda mais fundamental, justamente por
iluminar o fim do túnel nesse período. Sim, o Marillion portou a
lanterna, sendo uma das mais preponderantes referências a trazer
novamente o estilo peculiar do rock progressivo à tona... as artes
visuais espetaculares, temas como depressão, vida no isolamento e até
lapsos de insanidade diante de frustrações. A dualidade esperança x
melancolia permeia a obra, traços já abordados por outros grandes como
Pink Floyd, Van Der Graaf Generator e Eloy. Os arroubos melódicos
existentes na obra ficam a cargo da maravilhosa guitarra de Steve
Rothery, capaz de apresentar uma sensação de alívio e alento após o
movimento mais forte de "Forgotten Sons", música que trata da guerrilha
na Irlanda, onde a libertação através de atos violentos sobrepuja até
mesmo a questão ideológica e que posteriormente deu nome à banda
portuguesa de relativo sucesso no movimento progressivo dos anos 90.
Sem dúvidas, ao lado da música de abertura é o carro chefe do álbum e a
música que mais se distancia da concepção sonora genesiana e talvez a
geradora da base de um estilo próprio – isso mesmo, em termos de
Marillion, essa música é o ponto de abertura do movimento neo como
viríamos a travar contato para uma definição autêntica.

Consideram como ponto fraco desse trabalho a bateria de Mike Pointer,
que em determinados momentos soa um tanto burocrática, principalmente
se comparamos com o estilo do seu sucessor, Ian Mosley, que fora mais
técnico e versátil nos álbuns posteriores. De qualquer forma, faz-se
necessário frisar que Pointer não compromete o trabalho em momento
algum, a sua bateria é elegante e requintada e tempos depois, nos anos
90, provou através de sua performance no Arena, tratar-se de um grande
baterista, fazendo bem mais do que havia produzido no Marillion.

O frescor da musicalidade do Marillion nos anos 80 possui muito da
atmosfera new wave, porém enquanto a maioria das bandas desse movimento
possuíam uma conotação acima de tudo pop, apesar do ambiente meio dark,
o Marillion centrava seu som em algo progressivo, sem no entanto ficar
simplesmente copiando as bandas dos anos 70, a semelhança com o Genesis
está muito mais ligada à questão dos vocais que propriamente ambientação
e arranjo sonoro. Por esse motivo revitalizou todo o movimento
progressivo tradicional, sendo rotulado de neo e se distanciando
basicamente de medalhões como Genesis e Pink Floyd, arregimentando uma
jovem legião de fãs, capazes de ouvir e adquirir numa coleção de lps,
sem grandes problemas, bandas como Iron Maiden, The Cure, New Order e
naturalmente o Marillion, mesmo que essa juventude não tivesse tanta
sintonia com os dinossauros setentistas.

Volto a frisar a questão da importância do lançamento desse disco, já
que o mesmo está ligada à própria sobrevivência do estilo progressivo,
onde provou-se que popularidade e qualidade ainda podiam estender as
mãos após o fim da década anterior, sem soar datado ou como uma sessão
de naftalina, em que pese a mídia nessa ocasião estar infestada pela
cultura punk. Em proporção menor, nos anos 90 algumas bandas
conseguiram o feito de fazer progressivo e arrebanhar um público jovem,
sem parecer datadas, entre elas podemos citar o Flower Kings, Spock's
Beard e Finisterre, todas obtiveram boa margem de vendas ao redor do
mundo, até mesmo fora do meio progressivo.

"Script For A Jester's Tear" é um trabalho conceitual, em que o
personagem central é abordado com a dose certa de dramaticidade nos
vocais de Fish, retratando seu remorso inicial e posteriores arroubos
de loucura, sendo acompanhado por uma guitarra muito inspirada de
Rothery, capaz de acompanhar essas alternâncias com rara perfeição,
fazendo-nos rememorar os melhores tempos de suas principais
influências: Steve Hackett, David Gilmour e Andy Latimer. Contou ainda
com a colaboração expressiva de Mark Kelly que foi mestre em criar
atmosferas nos teclados para a entrada dos solos de guitarra.

A curiosidade final fica por conta da origem da alcunha de Fish;
existem duas versões: a primeira e mais insólita é que se deve à sua
admiração pela obra "Fish Out Of The Water"
do yesman Chris Squire, de tanto ouví-la nos anos setenta ele resolveu
se batizar com o apelido de Fish e a segunda é que quando criança a
brincandeira que mais o divertia era na banheira de sua casa. Por
passar horas se divertindo dessa forma, passaram a chamá-lo de Fish.
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